Título: Ações integradas
Autor: Carmen Lígia Torres
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Valor Especial / LOGÍSTICA E TRANSPORTES, p. F3

Concessionárias de ferrovias, em parceria com empresas de logística e embarcadores, investem em terminais intermodais que estão conferindo agilidade para cargas que trafegam tanto por rodovias, trens ou hidrovias do país

A iniciativa privada, ao lado de centros de pesquisas prestigiosos, consultores especializados e prestadores de serviços, tem ajudado a mapear os problemas e a encaminhar soluções para os graves problemas logísticos brasileiros. Não há mais dúvidas quanto à necessidade de investimentos nem sobre como e onde aplicar os recursos necessários. Mas a criatividade dos usuários dos modais de transporte do país começa a esbarrar em gargalos cujas soluções dependem do governo federal. "As parcerias firmadas junto com grandes embarcadores de carga, que incluem investimentos em locomotivas, vagões e terminais intermodais, são exemplos de ações concretas desenvolvidas nos últimos anos", ressalta Rodrigo Vilaça, secretário-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF - entidade que reúne os concessionários das ferrovias). Há consenso de que, a partir de agora, os obstáculos podem ser insuperáveis sem a participação direta do Poder Executivo, sob o risco de comprometimento não apenas do desenvolvimento futuro, mas também de tudo aquilo que foi conquistado. "Assistimos a um incremento do transporte e movimentação de cargas, decorrente em grande parte da expansão do agronegócio. Nos próximos anos, o crescimento econômico esperado e as oportunidades abertas nas exportações somente se consolidarão caso sejam superados os problemas com a infra-estrutura logística, especialmente a adequação da matriz nacional de transporte", afirma Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag). "O Brasil é muito mais temido no mundo por ser uma potência agrícola do que se fosse uma potência atômica", observa Othon D´Eça Cals de Abreu, presidente do Grupo Kepler Weber, empresa brasileira líder em produtos e sistemas para armazenagem de grãos. Mas ele ressalta que estamos na iminência do "efeito pororoca", ou seja, o grão poderá sair do campo e, por falta de condições de escoamento da safra, voltar ao campo. Essa ameaça, diz D´Eça Cals, vem da inadequação da infra-estrutura portuária, que inclui falta de armazéns, de áreas de movimentação retro-portuárias, terminais de transbordo e, ainda, má qualidade da frota para cabotagem (o transporte marítimo entre portos da costa brasileira). Cálculos da Kepler Weber mostram que essas deficiências resultaram em perdas de 13% das safras no período entre 1997 e 2003, o equivalente a 81,5 milhões de toneladas de grãos. "Há um gargalo logístico de 15,4 milhões de toneladas e déficit estático de 2,2 milhões de toneladas nos portos brasileiros que precisa ser resolvido até 2008", avisa o presidente da Kepler Weber. O custo logístico doméstico é equivalente a 12,1% do Produto Interno Bruto, ou R$ 212,6 bilhões em 2004, segundo levantamento recente de Maurício Pimenta Lima, pesquisador do Centro de Estudos de Logística, da Coppead/RJ. Os transportes representam 7% desse total, o estoque participa com 4%, a armazenagem com 0,6% e a administração dessa cadeia com 0,5%. O item transportes se torna ainda mais pesado quando se considera o perfil da riqueza produzida no país. "A carga brasileira roda longas distâncias, tem muito peso e baixo valor agregado, o que demanda transporte de alta capacidade, como ferrovia e hidrovia", diz Lima. Redimensionar de forma adequada a atual matriz de transportes significa oferecer mais ferrovia ao embarcador da carga. Hoje, ele conta com apenas 29 mil km de trilhos, sobre os quais locomotivas puxam vagões com baixa velocidade média, de até 10 km/h em trechos críticos, devido a problemas estruturais de geometria de traçado e de invasão de áreas urbanas. Com participação de apenas 23,9% na movimentação das cargas - ante 59,2% da rodovia -, a ferrovia precisa de investimentos públicos de R$ 4,2 bilhões até 2010, além dos recursos privados que as concessionárias irão aplicar, no total de R$ 2 bilhões ao ano entre 2007 e 2010. Segundo a ANTF, as concessionárias ferroviárias investiram R$ 6 bilhões desde o início do programa de concessões. Com isso, atingiram alta de produtividade de 70 bilhões de TKU (tonelada por quilômetro útil), saindo de uma produção de 130 bilhões de TKU, em 1996, para 200 bilhões de TKU em 2004. Em parceria com empresas de logística e com grandes embarcadoras, foram construídos 160 terminais intermodais de carga, para transbordo e agilidade da movimentação de cargas que trafegam entre os modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. Esses terminais são destinados especialmente para cimento, grãos, madeira e açúcar, e foram instalados nas regiões das concessionárias ALL (América Latina Logística), EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) e MRS Logística. Foram investidos mais de R$ 1,5 bilhão nesses empreendimentos. Além disso, a frota de vagões e locomotivas deu um salto considerável, em quantidade e capacidade de tração. Há 9 anos, no início dos contratos de concessão, 18 mil dos 43 mil vagões existentes estavam sucateados. Hoje, os embarcadores contam com 76 mil vagões em perfeito estado de funcionamento. Em 1996, das 1350 locomotivas, 400 estavam canibalizadas e tinham baixa potência. Atualmente, são 2.225 novas locomotivas, a maior parte delas com potência de 3.600hp, o que amplia geometricamente a capacidade de tração. Para Rodrigo Vilaça, o "governo precisa fazer sua parte, para o trem não parar". Ele acredita que há meios fáceis de o governo oferecer sua contrapartida aos esforços que a iniciativa privada tem feito. "A receita que o governo federal está angariando com as concessões e com a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) poderia ser utilizada, de maneira imediata, em melhorias e modernização", diz. Ao todo são R$ 880 milhões por ano, suficientes para equacionar problemas estruturais e crônicos, como as passagens de nível e invasão urbana, em cerca de dois anos, explica ele. Vilaça reage com indignação à previsão orçamentária de R$ 50 milhões destinada à ferrovia. Elogiando o desempenho das concessionárias, percebido na produtividade do transporte e no ritmo de crescimento da indústria do setor, Paulo Sérgio Oliveira Passos, secretário-executivo do Ministério dos Transportes, admite os limites do Poder Executivo para responder às reclamações por mais investimentos. "É evidente que os recursos disponíveis não são compatíveis com o que é necessário para promover uma mudança visível", diz. Ele lembra, no entanto, que privilegiar as rodovias com recursos do Orçamento não significa desconsiderar o impacto da distorção da matriz de transporte. "A determinação do governo federal é recuperar e conservar as rodovias porque são elas as responsáveis, atualmente, pelo escoamento de nossa riqueza", argumenta. Do limite autorizado para a pasta, para 2005, de R$ 4,1 bilhões, a maior parte, R$ 2,5 bilhões, foi aplicada na manutenção e conservação das estradas. Cerca de 6 mil km de estradas foram alvo de obras públicas, nos últimos 30 meses. Além disso, o processo de licitação de oito lotes de vias está em fase final para concessão. A prioridade das rodovias será mantida em 2006. O Orçamento enviado para o Congresso prevê R$ 4,4 bilhões para investimentos, a maior parte dos quais será destinada à adequação, capacitação e pavimentação, além de construção de estradas que visam a integração brasileira com países vizinhos. O secretário dos Transportes reconhece como sua a responsabilidade pela desobstrução de boa parte dos gargalos ferroviários, que exigem investimentos de mais de R$ 1 bilhão. "Não há recursos disponíveis para fazer tudo de uma só vez", justifica. No entanto, Paulo Sérgio Passos afirma que há empreendimentos importantes de infra-estrutura que são negociados fora do Orçamento, e dentro do modelo das Parcerias Público-Privadas. É o caso da Transnordestina, que abrirá acesso aos portos de Pecém/PA e para Suape/PE. "São aproximadamente US$ 1,5 bilhão, negociados com outros recursos, incluindo bancos internacionais e o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Há, ainda, a Ferrovia Norte-Sul e o Ferroanel de São Paulo, cujos projetos estão nas mãos do comitê gestor para modelagem de PPPs. "Mesmo assim, em 2005, o governo investiu R$ 150 milhões na Norte-Sul". Em relação às ações junto aos portos, a Codesp estuda uma grande ampliação para o Porto de Santos, "que aumentará consideravelmente a quantidade de berços".