Título: Ferrovias ganham cargas e credibilidade
Autor: Eduardo Belo
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Valor Especial / LOGÍSTICA E TRANSPORTES, p. G2
Modal Movimento cresce 12% ao ano desde a privatização e pode chegar a 25% do total transportado no país em 2005
A economia brasileira redescobriu a ferrovia. Depois de décadas de sucateamento, a malha ferroviária do país começou a ser revitalizada em 1997, com a concessão de trechos para exploração da iniciativa privada. Desde que a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) saiu dos trilhos de vez, entrando em processo de liquidação, o setor vem crescendo e conquistando adeptos. De lá para cá, o movimento de cargas cresce 12% ao ano, em média, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) conseguiu, no máximo, 4,9% de expansão em 2004. Em 2000, a ferrovia representava 20% da carga transportada pelo país. Este ano, segundo as empresas, poderá atingir 25%. E chegar a 30% até o fim da década, mesmo que não se assente um só quilômetro de novas linhas. A revitalização do setor decorre de modernizações técnicas, gerenciais e de conceitos implementadas pelas empresas. Ao oferecer serviços mais confiáveis e custos menores que os da rodovia, elas atraem cada vez mais para seus vagões cargas que antes só circulavam em caminhões. "Hoje, para o transporte ferroviário tornar-se uma alternativa viável para a maioria dos setores precisa ter custo 15% menor que o da rodovia", diz o presidente da MRS Logística, Julio Fontana Neto. Concebida para transportar commodities agrícolas e minerais, a malha ferroviária brasileira começa a mostrar agilidade para atrair cargas mais valiosas. Em muitos casos, a importância do custo é relativizada. Mesmo mais cara e cheia de problemas, a rodovia ainda é capaz de apresentar uma boa relação de custo-benefício para quem tem pressa. Com a maioria das indústrias funcionando pelo regime "just in time", não adianta oferecer frete a custo baixo se não há uma estrutura decente de distribuição, se os produtos ou insumos ficam muito tempo na operação de transporte e se as operações de carga e descarga consomem uma eternidade. É uma novidade, uma conquista lenta, mas consistente, afirma Fontana Neto. O segmento industrial tem sido, aliás, uma das apostas da América Latina Logística (ALL), empresa que atua no Sul e Sudeste do Brasil - e também na Argentina. Os esforços para atrair esse tipo de carga fizeram com que esse segmento crescesse, para a empresa cerca de 20% ao ano - bem mais que a média das ferrovias. De acordo com Paulo Basílio, diretor de industrializados da ALL, a empresa desenvolve o conceito de carga industrial intermodal. Como nenhuma indústria brasileira foi concebida pensando na ferrovia como meio de transporte - principalmente nos últimos 30 anos -, a maior parte delas encontra-se distante da malha de trilhos. O que a ALL tem feito é conectar as empresas à ferrovia com braços ferroviários e uma estrutura logística - 2 mil caminhões, terminais e centros de distribuição - capaz de oferecer confiabilidade, baixo custo e rapidez. Já atraiu clientes como Sadia, Votorantim Cimentos, Camargo Corrêa, Shell, Ipiranga e BR Distribuidora, entre outros. A confiabilidade foi fruto dos investimentos. Na etapa inicial, as concessionárias tiveram de recuperar as frotas antigas e sucateadas. De acordo com Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), desde a concessão das ferrovias, as concessionárias investiram R$ 6,3 bilhões na qualidade operacional do sistema, na capacitação de pessoal e em novas tecnologias e equipamentos. Hoje, a ALL incorpora em média 40 locomotivas e mil vagões por ano a sua frota. A empresa investiu R$ 190 milhões em 2004. Deve repetir o valor este ano. Já a MRS está desembolsando R$ 600 milhões em 2005 e pretende gastar R$ 2,5 bilhões na modernização da malha até 2009. Além de frota, a empresa emprega os recursos na modernização das vias, na ampliação de terminais portuários e na duplicação de trechos. A implantação de um novo sistema de sinalização e de comunicação vai permitir o emprego de mais trens em uma mesma linha, com mais segurança. Com crescimento médio de 13% ao ano, a MRS espera chegar a 2010 com uma movimentação anual de 200 milhões de toneladas de carga. Apesar do crescimento, as ferrovias ainda estão muito aquém das necessidades do país. Concebida no início do século 19, a malha tem um traçado predominantemente litorâneo, encontra-se relativamente distante dos grandes centros produtores e não tem capacidade para levar as mercadorias aos portos com eficiência. É o caso do Paraná. O porto de Paranaguá é servido por ferrovia, mas a incapacidade do sistema de escoar adequadamente a produção faz com que, no auge da safra de soja, formem-se filas de mais de 100 km na rodovia de acesso ao terminal portuário, lembra o engenheiro Alexandre Rocha, ex-presidente da regional paranaense da Associação Brasileira de Logística (Aslog). Essa concepção antiga faz com que a exploração das linhas férreas do país seja hoje de 20% da média de outros países, afirma o diretor de industrializados da ALL. Mesmo respeitando as limitações do sistema, segundo ele, é possível aumentar o movimento mais três vezes, pelo menos. Já o aumento na participação da matriz de transportes do país a partir de 2010 (quando se deve alcançar o máximo de 30% que a atual malha férrea de 29 mil quilômetros permite) só vai ocorrer se houver aumento das chamadas vias permanentes - as linhas de trilhos. Em que pesem as várias manifestações do governo no sentido de assentar mais trilhos país adentro, a boa vontade esbarra no custo da operação. É consenso no setor a idéia de que o gasto médio de US$ 1 milhão por quilômetro de trilho implantado é um ônus elevado demais para a iniciativa privada, devido, principalmente, ao prazo de retorno muito dilatado. Tanto que todas as iniciativas recentes nesse campo tocadas pelo setor privado - como a Ferronorte e a Transnordestina - ficaram pelo caminho. Mesmo assim, o governo tem projetos. A conclusão da Transnordestina e o Ferroanel de São Paulo, entre outras, num total de nove, consumiriam R$ 11,3 bilhões em investimentos. A expectativa do Ministério dos Transportes é que isso seja viabilizado pelas Parcerias Público-Privadas, já que R$ 4,2 bilhões desses recursos teriam de sair de empresas interessadas.