Título: Tesouro comprará US$ 22 bi
Autor: Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 30/04/2010, Economia, p. 12

Governo antecipará as aquisições de recursos para o pagamento da dívida externa como forma de conter a valorização do real

Um dia depois da decisão do Banco Central de dar uma ¿paulada¿ na taxa de juros básicos (Selic), que subiu de 8,75% para 9,50% ao ano, o que deve atrair uma enxurrada de dólares para o país, o Ministério da Fazenda anunciou que antecipará as compras da moeda norte-americana para o pagamento de parte da dívida externa. O objetivo é enxugar o excesso de recursos estrangeiros no mercado e, dessa forma, conter a valorização do real, que se tornou um empecilho para as exportações brasileiras. No limite, o Tesouro Nacional poderá arrematar até US$ 22,4 bilhões, total de débitos e juros que terão de ser pagos nos próximos dois anos ¿ a liberdade para adiantar as aquisições de dólares foi dada recentemente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), justamente para facilitar as intervenções no mercado de câmbio.

¿A tendência é acelerarmos as compras (de dólares)¿, disse o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ao anunciar a presença mais forte do Tesouro na ponta compradora do câmbio. Segundo ele, as antecipações devem ser vistas como mais um dos instrumentos que o governo construiu nos últimos anos para evitar a valorização mais forte do real frente ao dólar. A pressão do empresariado para que a Fazenda aja no sentido de garantir a competitividade das exportações do país tem aumentado muito. E ficará maior a partir de agora, com o aumento da taxa Selic, que tende a se estender até o fim do ano para que a inflação de 2011 convirja para o centro da meta, de 4,5%.

Augustin assinalou que o Tesouro se preparou para ampliar a sua presença no mercado de câmbio, ao aumentar de um para dois anos o prazo de adiantamento das compras de dólares para a quitação de dívida externa. Com isso, o limite de aquisição de US$ 11 bilhões foi acrescido em US$ 11,4 bilhões. ¿O governo tem instrumentos para trabalhar essa questão importante para o país. E, se for necessário, agiremos para que não haja valorização excessiva do câmbio¿, reforçou. As compras podem ser feitas livremente, sem aviso ou autorização prévia.

Fundo Soberano O secretário sinalizou claramente que também o Fundo Soberano do Brasil(1) (FSB) poderá ser usado para conter a guinada do real. Ele explicou que há a opção de o Tesouro emitir títulos públicos para fazer caixa e comprar dólares. O patrimônio do fundo está hoje em R$ 17 bilhões. ¿Vou reforçar: usaremos todos os instrumentos disponíveis para corrigir distorções no câmbio¿, frisou. Com a primeira alta da taxa Selic em 19 meses, a Fazenda já se conscientizou de que o Brasil atrairá, sobretudo, capital de curto prazo, interessado nos elevados juros pagos pelos papéis federais.

Com os 9,50% anunciados pelo Copom, o Brasil manteve a liderança no ranking das maiores taxas do mundo. A tendência é de os investidores pegarem dinheiro emprestado nos países mais ricos, onde os juros estão próximos de zero, e trazer os recursos para cá, ganhando com a diferença. É o que os analistas chamam de carry-trade.

1 - Poupança De natureza contábil e financeira, o Fundo Soberano do Brasil foi criado pelo governo no fim de 2008 para funcionar como uma espécie de poupança pública. Entre as suas fontes de recursos estão os excedentes de superavit primário. O dinheiro pode ser usado para a compra de dólares ou para estimular a economia em tempos de recessão. Todo o dinheiro é administrado pelo Tesouro Nacional.

Moeda cai ao menor nível desde janeiro A decisão do Banco Central de elevar a taxa básica de juros (Selic), de 8,75% para 9,50% ao ano, teve especial importância no comportamento do mercado de câmbio ontem, pois estimulou uma leva de investidores a direcionarem recursos para o país. A moeda norte-americana oscilou bastante durante o dia, mas acabou encerrando os negócios com queda de 1,16%, cotada a R$ 1,730, o menor nível desde janeiro. O fluxo de dólares para o país deve continuar, segundo analistas. Na interpretação deles, esse dinheiro vem principalmente de brasileiros que moram fora do país. O BC precisou fazer duas intervenções no mercado para conter uma alta maior do real. A última vez que a instituição entrou pesado no mercado enxugando o excesso de recursos foi em 15 de abril, para evitar um preço inferior a R$ 1,75. ¿O BC só conseguiu amenizar o impacto das vendas e fazer com que o dólar parasse de cair¿, disse Mário Paiva, da Corretora Liquidez.

Incentivo ao exportador

Deco Bancillon

Temendo um descontrole ainda maior no setor externo, devido à forte valorização do real frente ao dólar, o governo decidiu preparar um conjunto de medidas de incentivo aos exportadores. O pacote inclui uma linha de crédito no valor de R$ 7 bilhões a ser liberada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a venda ao exterior de carros, máquinas de lavar e outros bens duráveis, de maior valor agregado, produzidos pela indústria nacional. A taxa de juros será de 8% ao ano, a maior cobrada nos empréstimos autorizados pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI) ¿ parte dos encargos será subsidiada pelo Tesouro Nacional. O governo está preocupadíssimo com o fato de a balança comercial estar sendo dominada por produtos primários (grãos e minérios).

As condições para o empréstimo foram aprovadas ontem pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que também fixou regras para os R$ 80 bilhões que o governo repassará este ano ao BNDES. Grande parte das linhas de crédito será voltada à produção de máquinas e equipamentos. Tanto que o governo praticamente triplicou o volume de recursos destinado ao setor de bens de capital ¿ de R$ 39,1 bilhões para R$ 115,5 bilhões.

Será ofertada ainda uma bolada para o financiamento de caminhões e ônibus. A disponibilidade de recursos para esses veículos saltou de R$ 10,5 bilhões para R$ 28 bilhões. Mas as taxas de juros subirão de 7% para 8% ao ano nos financiamentos contratados a partir de 1° de julho.

Cofre a favor de Dilma

A gastança desenfreada do governo para estimular o crescimento da economia e, com isso, incrementar a candidatura da petista Dilma Rousseff à Presidência da República está provocando forte deterioração nas contas públicas. Dados do Tesouro Nacional mostram que, entre janeiro e março deste ano, a economia para o pagamento de juros da dívida pública(superavit primário) somou apenas R$ 8,2 bilhões, mesmo com a arrecadação batendo recordes consecutivos, graças ao desempenho excepcional da economia. O que mais assustou foi o fato de esse resultado ter sido inferior aos

R$ 9,5 bilhões poupados nos primeiros três meses do ano passado, quando o país estava atolado na recessão e as receitas com impostos desabaram.

Em março, especificamente, o governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) registrou um rombo de R$ 4,6 bilhões, quase cinco vezes mais do que o deficit de R$ 1 bilhão do mês anterior. Foi o pior resultado para meses de março desde 1997. Segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, o buraco nas contas decorreu, principalmente, do pagamento de R$ 3,1 bilhões em precatórios (dívidas provenientes de sentenças judiciais).

Desequilíbrio Esse baixo nível de economia criou um problema para o Tesouro, que terá de fazer um esforço extra para entregar um superavit primário acumulado de R$ 18 bilhões no primeiro quadrimestre do ano. Ou seja, será necessária uma poupança de mais R$ 9,8 bilhões apenas em abril, algo difícil de acreditar dado o que ocorreu entre janeiro e março. ¿Faremos um superavit de R$ 10 bilhões em abril. Estou dizendo isso com toda certeza e tranquilidade¿, afirmou Augustin, ao ser questionado sobre o risco de descumprimento da meta de superávit quadrimestral.

O reflexo dessa deterioração nas contas públicas está na alta da taxa básica de juros (Selic), de 8,75% para 9,25% ao ano, anunciada pelo Banco Central. Ao abrir os cofres e injetar tanto dinheiro na economia, o governo superaquece a demanda, facilitando o aumento de preços aos consumidores ¿ ou seja, incrementa a inflação. (LO) Restos a pagar distorcem dados

O governo agilizou a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais plataformas da eleição da candidata do PT, Dilma Rousseff, à Presidência da República. Entre janeiro e março deste ano, o pagamento das obras de infraestrutura atingiu R$ 9,5 bilhões, volume 116% maior que os R$ 4,4 bilhões quitados em igual período de 2009.

Esse resultado foi inflado pelos R$ 7,4 bilhões de restos a pagar de obras iniciadas em anos anteriores, mas que tiveram recursos empenhados no Orçamento da União. Ou seja, os gastos evidenciam o atraso na execução dos projetos e a dificuldade do governo em tocar empreendimentos vitais para sustentar o crescimento do país.

Tal constatação pode ser comprovada pela baixa execução das verbas previstas para este ano. O Ministério dos Transportes, que possui R$ 13,8 bilhões em projetos orçados, executou apenas R$ 334 milhões entre janeiro e março. O Ministério das Cidades, com R$ 7,4 bilhões, gastou meros R$ 385 milhões. A pasta da Integração Nacional, que conta com R$ 5,3 bilhões, executou parcos R$ 110 milhões.

Ao comentar tais desempenhos, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse que a tendência é de elevação dos pagamentos das despesas com as obras de infraestrutura do PAC e que esse aumento deverá acontecer por meio dos restos a pagar. Essa forma de atuação é, contudo, arriscada porque delegará para o próximo presidente uma dívida alta, com risco de engessamento do orçamento de investimento dos anos seguintes. (LO)

E eu com isso

Enquanto o governo não botar um pé no freio nos seus gastos, os brasileiros terão de se conformar com o aumento das taxas de juros. Esse é o único instrumento que o Banco Central tem à sua disposição para conter os surtos inflacionários que atormentam a todos. Os gastos crescentes do setor público funcionam como gasolina em uma economia já excessivamente aquecida, que permite à indústria e ao comércio ampliarem as margens de lucros por meio de produtos mais caros.