Título: Governo tem pressa em tirar concessões do papel
Autor: Eduardo Belo
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Valor Especial / LOGÍSTICA E TRANSPORTES, p. G2

Rodovias Questionamentos por parte do TCU podem atrasar programa

O Ministério dos Transportes corre contra o tempo para tirar do papel o que considera a principal solução para o problema das rodovias brasileiras. Mas teme que ocorra um atraso no programa de concessões de rodovias. A idéia era licitar ainda este ano sete trechos de estradas federais de grande movimento, assinar os contratos e iniciar a exploração pela iniciativa privada a partir de fevereiro. Uma série de questionamentos por parte do Tribunal de Contas da União (TCU) pode afetar o cronograma. A iniciativa privada enxerga disposição do governo em realizar os leilões. "Estamos convencidos de que o governo quer fazer, mas a dificuldade de implantar pedágio ocorre em todo o mundo", declara Moacyr Duarte, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), entidade que reúne empresas que já administram os trechos concedidos da malha rodoviária federal e por alguns Estados. O receio das concessionárias é que os questionamentos do Tribunal de Contas da União levem o processo de licitação para um caminho em que a tarifa de pedágio proposta não assegure a rentabilidade. O valor do pedágio é fixado por teto, com base em estudos do poder público. Se faltar consistência no estudo, as tarifas podem ficar abaixo da realidade, afastando os investidores. Pelo modelo atual, em vigor desde a concessão federal de 2000, os licitantes, por meio de estudos, estabelecem que valor de pedágio - abaixo do teto - consideram satisfatório para remunerar seus investimentos e encaminham suas propostas. As empresas habilitadas que oferecerem valores de pedágio até 10% acima da menor proposta partem para a segunda fase da licitação. Vence quem oferecer, então, o maior valor pela outorga da rodovia. Se eventualmente estabelecer tarifas não-realísticas, o governo "estará fazendo um papel que não lhe compete", afirma o presidente da ABCR. Com isso, o sistema rodoviário estaria deixando de receber investimentos de R$ 15 bilhões nos 25 anos de contrato da malha a ser concedida, com extensão de 3.038 quilômetros. Fora o que o governo iria receber pela outorga. Entre os trechos, três, integrantes do chamado Corredor do Mercosul, têm especial importância, por seu volume de tráfego. São as ligações entre São Paulo e Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba e Curitiba a Florianópolis. O valor dos investimentos exclui as praças de pedágio e representa aproximadamente o que o governo arrecada em dois anos com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis. O tributo, criado para financiar a infra-estrutura de transportes, apresenta tantos desvios para outros fins - em especial para fazer superávit primário - que, de 2002 para cá, apenas 23% da arrecadação (R$ 27 bilhões) foram destinados ao setor, segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Embora a própria CNT seja uma das maiores críticas das tarifas de pedágio, pesquisa realizada pela instituição constitui o principal argumento para a manutenção do modelo adotado em 2000. Os dados da pesquisa deste ano mostram que, na avaliação dos usuários, 82,4% dos trechos concedidos foram classificados como bom e ótimo. As estradas federais sem concessão apresentaram 80,3% de deficiente, ruim e péssimo. O Ministério dos Transportes informa que a conservação da malha não-concedida tem sido feita pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), que atua conforme os limites do Orçamento público. Ao Valor, o Ministério dos Transportes informou que nos últimos 30 meses foram recuperados 6 mil quilômetros de rodovias, construídos 269 quilômetros, ao passo que 17,9 mil foram sinalizados. A conservação de 42 mil quilômetros foi feita por contratos de prestação de serviços. O ministério não informou os custos. A malha rodoviária total do país é de 1,7 milhão de quilômetros - dos quais apenas 175 mil pavimentados. E encontra-se bastante deteriorada. A pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes analisou 82 mil quilômetros de rodovias do país. Do total, 72% foram classificadas como deficientes, ruins ou péssimas. Só no quesito pavimento, 44,7 mil quilômetros (55%) encontram-se abaixo da crítica. As más condições das pistas provocam prejuízos anuais de mais de R$ 10 bilhões só com acidentes, segundo levantamento do DNIT. Tal quadro poderia sugerir que o governo não só apressasse como também ampliasse o programa de concessões. Mas mesmo essa solução não é totalmente aplicável. A malha federal pavimentada é de 57 mil quilômetros, mas no máximo 13 mil devem ser concedidos ao setor privado, afirma Fábio Duarte, diretor do departamento de outorgas do Ministério dos Transportes. De acordo com José Alexandre Resende, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), hoje o país tem 10 mil quilômetros sob exploração privada, incluindo os Estados. Pode chegar a no máximo 15 mil quilômetros. Ele defende a importância das concessões porque elas representam de 50% a 60% do volume de tráfego de todo o país. A maior parte das rodovias não têm volume de tráfego suficiente para justificar a instalação de pedágios, o meio pelo qual as concessionárias asseguram o retorno de seus investimentos. "É preciso ver o que o pedágio agrega de custos ao produto", diz Duarte. Segundo ele, hoje o pedágio das concessões federais representa cerca de R$ 7 por 100 quilômetros. Nas estradas em que não é possível ter pedágio, o governo precisa definir um novo meio de exploração comercial. É o que deve ser feito com as Parcerias Público-Privadas (PPP). Uma das alternativas é o consórcio responsável pelas obras de construção ou recuperação receber o direito de explorar comercialmente as margens da rodovia. Outra saída para o diretor de outorgas do ministério é utilizar a receita com publicidade ao longo da rodovia, que hoje já é empregada nas rodovias pedagiadas e ajuda a reduzir a tarifa em 3% a 4%. O Ministério dos Transportes espera que a Agência Nacional de Transportes Terrestres e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, responsáveis pelas respostas ao Tribunal de Contas da União, concluam o trabalho a tempo. Até para evitar que as estradas se deteriorem mais, diz Duarte. Da parte do setor privado, o receio é que não seja possível cumprir o cronograma inicial de licitação. Se a formalização contratual atrasar demais, o risco é que seja afetada pelo processo eleitoral de 2006. As eleições presidenciais no ano que vem incomodam porque as regras da licitação estabelecem que a cobrança de pedágio só pode começar depois de seis meses da assinatura do contrato. Nesse período inicial, a empresa realiza os investimentos iniciais para recuperação da via. São R$ 500 milhões, nesse período, segundo o Ministério dos Transportes. Se por acaso o contrato for assinado depois de março, a cobrança do pedágio começará às vésperas das eleições. Se for assinado do fim de junho em diante, a cobrança começaria só no próximo governo. E sempre há a possibilidade, ainda que remota, de a nova administração suspender os atos da anterior. Esse precedente até já existe na história das concessões rodoviárias. Em 1994, a Engepasa, grupo que venceu a concessão da SC-401, a Linha Azul, começou a realizar os investimentos e, com a mudança de governo, não foi autorizada a cobrar pedágio, seis meses. A empresa reivindica na Justiça uma indenização do governo do Estado.