Título: Falta estratégia para entrar na China, critica Amorim
Autor: Bettina Barros
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Brasil, p. A-5

Passados seis meses da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da gigantesca comitiva empresarial do país à China, o Brasil ainda não conseguiu se articular de forma organizada para entrar estrategicamente no mercado chinês. Praticamente nada mudou de lá para cá: faltam planejamento, visão de longo prazo, prospecção cuidadosa de mercado e até o entendimento sobre a cultura chinesa, fundamental para se fazer negócios no país. É isso que se ouve com freqüência de setores empresariais interessados em aproveitar o potencial comercial do país, tanto em termos de investimentos brasileiros na China quanto dos chineses em território brasileiro. Uma das vozes críticas a esse respeito é de Renato Amorim, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), formado no início deste ano por cerca de 44 empresas brasileiras e chinesas com o intuito de prestar informações e serviços sobre negócios a seus membros. "O Brasil não fez nada nesse tempo, só aumentou o número de funcionários na embaixada de Pequim", disse, em seminário sobre investimento estrangeiro realizado no fim de semana em São Sebastião (SP) "O governo é muito lento em agir. Não vejo capacitação maior em relação à China ou outro país emergente." Antes de assumir o cargo no CEBC (a convite do presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli), Amorim trabalhou quatro anos na embaixada brasileira em Pequim, onde participou de negociações comerciais entre os dois países. Não lhe faltam histórias sobre o despreparo brasileiro diante de um dos países eleitos como prioritários pelo governo federal. Ele cita, por exemplo, o número de missões empresariais. Enquanto 15 mil vistos chineses foram emitidos este ano para esse fim, apenas 1.400 brasileiros visitaram a China no mesmo período, já incluídos os quase 500 empresários que acompanharam a comitiva de Lula. O planejamento chinês é outro contraponto. "Na China, eles se preparam para o que irá acontecer daqui a 20 anos. Definem suas carências futuras e trabalham com antecedência para supri-las". A China vem se modelando rapidamente para abraçar o mundo. Em março do ano passado, fez uma ampla reestruturação de sua indústria nacional ao criar uma comissão de supervisão e administração de ativos do Estado. Nesse processo, eliminou 70 mil empresas de menor porte consideradas "sem futuro" pelo governo e reestruturou outras 100 mil, que seriam os vetores da expansão econômica. Há dois meses, entrou em vigor no país uma regulamentação para programas de investimentos no exterior, por meio da qual 189 grandes empresas estatais poderão entrar nos principais mercados do mundo. Segundo Amorim, essas "petrobrases chinesas" terão acesso a capital a baixo custo usando reservas monetárias chinesas. Essas empresas têm como orientação investir no exterior em áreas estratégicas, como infra-estrutura e tecnologia. Nesse contexto, é fácil entender o interesse de Pequim na infra-estrutura portuária e ferroviária brasileira, entre outros setores. Ao injetar capital na malha de transportes local, Pequim poderia garantir acesso estratégico as matérias-primas. "E qual é a estratégia brasileira? Onde está relação estratégica que o Brasil diz ter com a China?", questiona o secretário. Sobre a grande comitiva chinesa que chega nesta quinta-feira ao Brasil, liderada pelo presidente Hu Jintao, ele diz não saber o que esperar. Durante a visita de Lula, foram assinados 14 acordos na área comercial e de investimentos, mas todos estão ainda em fase inicial. "Existem projetos de investimentos de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões em infra-estrutura, mais US$ 1,5 bilhão em siderurgia, etc. O que vai virar disso, eu não sei".