Título: Cassação de Dirceu fica suspensa até segunda-feira
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2005, Política, p. A8

Crise Conselho de Ética aprova perda de mandato por 13 votos a 1, mas votação deverá ser refeita

O destino do deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil, deveria ser selado no plenário da Câmara no dia 9 de novembro, numa provável repetição - conforme análise unânime da Casa - da sentença proferida ontem no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar: a cassação do mandato e perda de direitos políticos por oito anos. No entanto, o incansável Dirceu arrancou do Supremo Tribunal Federal (STF) uma nova decisão, no início da noite de ontem, proferida pelo ministro Eros Grau, que anulou a votação do Conselho de Ética. O placar no Conselho em favor da cassação foi 13 a 1, um resultado massacrante para o petista, que já foi considerado no Parlamento o homem mais importante do governo. O voto favorável foi da também petista Angela Guadagnin (SP), que havia pedido vista e apresentou voto em separado. Depois da decisão do Supremo, nova reunião foi marcada para a tarde de segunda-feira pelo presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), para que provavelmente todo o processo de leitura do relatório e votação seja reiniciado. Izar tentou marcar uma reunião hoje. Haveria quórum, mas os advogados de Dirceu recusaram-se a comparecer à sessão, o que novamente a invalidaria. Os parlamentares não sabem ao certo como proceder, e vão analisar a decisão do STF nesta reunião de segunda-feira convocada em caráter de emergência. "Isso é uma loucura", desabafou o relator do processo de Dirceu, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que tomou conhecimento da nova decisão de Eros Grau minutos antes de embarcar para Minas. "Decisão judicial se cumpre, mas eu não vou refazer o relatório, porque ele está pronto", argumentou o relator, numa força de expressão, pois na verdade ele já havia refeito o relatório, com a supressão dos trechos condenados pelo STF em despacho anterior do mesmo ministro Eros Grau. O Código de Ética da Câmara diz que após a instauração do processo contra um parlamentar o Conselho terá no máximo 90 dias para a conclusão. O de Dirceu foi instaurado no dia 10 de agosto. A data limite para a votação no Conselho é 8 de novembro. Se o processo não for concluído até essa data, segue imediatamente para o plenário da forma em que se encontrar, com ou sem relatório, com ou sem votação. Não há, porém, anulação do processo. A Mesa Diretora da Câmara vai analisar se é possível a prorrogação dos trabalhos do Conselho, caso os parlamentares considerem isso necessário. Também será analisado qual procedimento o plenário deve tomar caso o processo chegue sem relatório. O objetivo central de Dirceu é desgastar a credibilidade do Conselho de Ética. Se o relatório tiver que ser novamente votado, a cena será patética. "O resultado será o mesmo", enfatiza Ricardo Izar. Desta forma, Dirceu pretende alegar que a votação no Conselho fica sob suspeita, uma vez que o resultado já é conhecido. Júlio Delgado disse que nunca na história da Câmara houve um processo com tantas tentativas protelatórias. "Nunca se recorreu tanto à Suprema Corte e nunca tivemos que ficar tão atentos a todos os dispositivos legais e regimentais. O deputado José Dirceu teve assegurado o amplo direito de defesa", disse o relator. O mineiro reconhece, no entanto, que é legítimo o ex-ministro questionar o parecer, e buscar recursos no Judiciário, apesar de discordar das teses da defesa do petista. O relator argumenta que a maior parte do parecer segue fundamentação técnica, mas não ignora o aspecto político do julgamento. Em nota, Dirceu disse que a decisão do Supremo é "uma advertência para os riscos institucionais de atropelos jurídicos". A despeito da anulação, a votação no Conselho foi repleta de significado político, a começar pelo placar: 13, o número do PT. Em seguida, pela data. Foi em 27 de outubro de 2002 que Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a vitória eleitoral e o PT reconheceu em Dirceu o grande e bem-sucedido estrategista da campanha e da política de alianças. É também a data do aniversário de Lula. Desta vez, Dirceu estava longe da comemoração oficial no Palácio do Planalto. Todas essas "peças" que a história costuma pregar foram lembradas pelo ex-petista Chico Alencar (Psol-RJ) ontem, no Conselho de Ética. "Nesta mesma data, há três anos, 52 milhões de brasileiros se emocionavam com a vitória de Lula e nós reconhecíamos os méritos do comando de Dirceu na campanha. Essa votação, para toda a esquerda, é constrangedora e muito difícil", disse ele. E foi sob o comando de Dirceu na Casa Civil, continuou Chico Alencar, que o PT adotou uma "governabilidade com fisiologismo", deu continuidade a esquemas de corrupção sistêmica "sustentada numa relação espúria do dinheiro com o voto". "E o PT mergulhou nessa lama", disse o ex-petista. José Dirceu quebrou o decoro, para o relator e os 12 deputados que o seguiram, porque conhecia os empréstimos tomados pelo PT, manteve "relações promíscuas" com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza - personagem central do escândalo do mensalão -, fez tráfico de influência ao estreitar o relacionamento com os dirigentes do Banco Rural e BMG. "Faltou ao deputado José Dirceu reconhecer que não era eticamente aceitável que ele tivesse facultado acesso privilegiado a pessoas como o empresário Marcos Valério", concluiu o relator. A aliança política conduzida por Dirceu, disse Júlio Delgado no parecer, "envolvia um esquema de patrocínio de despesas de campanha e de incentivos financeiros à fidelidade no Parlamento".