Título: Renan negocia concessões do Planalto para desanuviar crise no Senado
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2005, Política, p. A9
Em pouco mais de 24 horas, o presidente do Senado, Renan Calheiros, esteve duas vezes no Palácio do Planalto. Na primeira, conversou a sós com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na tarde de quarta-feira. No fim da tarde de ontem, reuniu com Lula e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Renan teme que a crise contamine o Senado e acredita que só a solução de algumas "pendências" na área econômica possa desanuviar o clima político e evitar que o governo venha a sofrer derrotas, nas próximas semanas, e até mesmo a instalação de uma quinta CPI - a do Caixa 2, protocolada também ontem pelo PSDB. Todas as "pendências" significam mais gastos. A agenda de Renan tem pelo menos cinco itens: 1 - A retirada da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que o governo moveu no Supremo Tribunal Federal para derrubar lei que determina um aumento de 15% nos salários dos servidores do Senado, Câmara e Tribunal de Contas da União, uma conta estimada em R$ 563,4 milhões, em 2006. 2 - O pagamento de R$ 900 milhões prometidos aos Estados exportadores a título de compensação prevista na Lei Kandir. 3 - O compromisso do presidente em não vetar as isenções e benefícios incluídos pelo Congresso na "MP do Bem". 4 - Não vetar o item que permite aos municípios renegociar suas dívidas com o INSS. 5 - A liberação de emendas parlamentares prometidas. É dramática a avaliação feita no Senado sobre a possibilidade de contaminação da crise. A Câmara foi arrastada pelo furacão, depois que os líderes e presidentes de partidos aliados foram imobilizados pela denúncia do mensalão. Algo parecido estaria começando a ocorrer no Senado: o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), teve de renunciar ao cargo, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo, é alvo da CPI do Caixa 2 requerida pelos tucanos, o presidente da CPI dos Correios e líder do PT, Delcídio Amaral (PT-MS) vê a Polícia Federal no encalço de seu chefe de campanha e o senador Geraldo Mesquita (AC), do recém-criado P-SOL, é acusado de ter estabelecido um "mensalinho" entre seus funcionários. Havia semanas que Renan reclamava da falta de uma interlocução consistente com o Planalto, mas o que acabou definitivamente com o humor do presidente do Senado foi a ação do governo no STF contra o aumento salarial do Congresso. Semana passada, o líder do governo Fernando Bezerra (PTB-RN), que também tem suas queixas do governo, fez um jantar para tentar reaproximar Renan do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, que trocavam farpas nos bastidores. De início, Renan não queria conversa com o ministro, mas depois abriu o jogo. Reclamou do relacionamento entre o governo e o Congresso, disse que os acordos feitos eram para ser cumpridos e não empurrados com a barriga, como fazia o Planalto - pior, o Executivo entrou com a ação no STF sem nem sequer informar o presidente do Congresso. "Pior que a Adin era não informar o presidente do Congresso", disse Renan, segundo presentes. Isso era ruim para o princípio da harmonia entre os poderes. Jaques retrucou dizendo que também ele não sabia. "É pior", respondeu Renan, pois isso só revelava que Jaques, a exemplo de seu antecessor no cargo, Aldo Rebelo, não tinha poder. Reclamou que havia assumido compromissos, inclusive na eleição do deputado Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, mas o governo não fazia a sua parte, como combinado. Ou seja, estaria pagando um preço alto por uma relação que não existia. Renan foi convidado para almoçar no dia seguinte com Lula e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Alegou que já tinha outro compromisso agendado e só foi aparecer no Planalto na tarde de terça-feira passada. Entre outras coisas, os senadores estariam ameaçando o governo com a derrubada de alguns dos mais de 80 vetos que esperam para ser analisados no Congresso, não votar o Orçamento de 2006 ou deixar de apreciar indicações feitas pelo governo para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Renan nega que em algum momento Lula tenha pedido para o Senado não instalar a CPI do Caixa 2. Diz que, se o requerimento dos tucanos tiver o número de assinaturas necessário (tem 11 a mais) e "fato determinado", fará a leitura. Questiona-se no Senado justamente se há "fato determinado" no requerimento dos tucanos. Enquanto Renan negocia com Lula, os nervos parecem à flor da pele no Senado. Ontem, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) explodiu enquanto inquiria o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. Tasso perguntou se dois funcionários que negociaram a renegociação do contrato da Caixa com a Gtech tinham experiência na área financeira ou na área de jogos. "Eles jogavam, sim", respondeu Mattoso. "Eram jogadores de cassino?", insistiu Tasso. "Eles jogavam os jogos da Caixa, como nós", completou Mattoso. "Isso me parece uma postura de malandro", reagiu Tasso. "O senhor se comporte, fique quietinho e se limite a responder às perguntas", acrescentou. Em seguida, voltando-se para os demais senadores, o tucano comentou: "Esse rapaz é de uma prepotência muito grande". Preocupado com o acirramento dos ânimos, Mercadante começou ontem a procurar líderes oposicionistas para tentar recompor minimamente o ambiente político no Senado. "Minha preocupação é tentar que o ambiente se distenda politicamente", disse o petista, que já teve uma conversa com o líder do PFL, José Agripino Maia (RN). Mercadante disse que vai propor aos líderes uma análise racional do cenário político, uma vez que a instalação de uma quinta CPI - a do Caixa 2 - seria inviável inclusive operacionalmente. "Vou ouvir todos os líderes para vermos como encaminhar", afirmou o líder do governo. Mercadante disse que o Senado não pode "perder o eixo da agenda de desenvolvimento do país". "A oposição tem contribuído e participado desses debates", disse ele, citando como exemplo a votação da reforma tributária. O líder do governo comemorou a aprovação da MP 255, mas deixou claro que foram tensos os momentos que antecederam a votação. "Tive que engolir cobras, lagartos e crocodilos", disse Mercadante a interlocutores no Senado. Uma das negociações mais tensas foi com o senador José Sarney (PMDB-AP), que insistia na criação de zonas livres de comércio no Estado que representa.