Título: PT: um partido em transe
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Política, p. A-6

Já se esperava um clima de exasperação nas hostes do PT diante de uma derrota eleitoral na cidade de São Paulo. Os petistas têm enorme dificuldade para reconhecer os próprios erros. Nos últimos dias, o que se tem visto é um festival de acusações mútuas, a busca incessante de um único culpado para o desastre que só eles, petistas, não foram capazes de prever. Com isso, prolonga-se a agonia do fracasso, dando ao episódio uma dimensão maior à que ele realmente possui. No governo Lula, a preocupação é com os efeitos das eleições sobre a a base de apoio no Congresso. Se já não bastassem os problemas com os partidos aliados, o governo terá que lidar também com as fissuras no próprio PT. Nos últimos dias, dois ministros do núcleo do poder - Jaques Wagner (Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) - começaram a contatar algumas lideranças petistas que emergiram vitoriosas do pleito municipal. Ontem, durante a posse do novo ministro da Defesa, Wagner teve as primeiras conversas. Não se sabe ainda se se trata de uma missão conferida pelo presidente Lula, mas há consenso de que que ela é necessária. Toda vez que o PT sofre algum desgaste, quem paga a conta é o governo Lula. Foi assim com o caso Waldomiro Diniz. Para defender seu dirigente máximo - o ministro da Casa Civil, José Dirceu -, o PT atribuiu a crise à política econômica do ministro Antonio Palocci. Agora, o PT de Porto Alegre faz o mesmo em relação à derrota de Raul Pont. Mais do que nunca, avaliam interlocutores do presidente, o governo necessita de apoio. Terminada a eleição e há quase dois anos da chegada ao poder central, há três grupos no PT com os quais é preciso dialogar. Um deles é justamente o "novo PT", representado pelos vencedores das eleições fora de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Um outro grupo é o dos alijados do poder na primeira metade do mandato de Lula. Entre esses, o sentimento é o de que, pela primeira vez na história do PT, projetos individuais estão se sobrepondo aos do próprio partido. O caso mais citado por nove entre dez petistas da Câmara é a emenda da reeleição para as presidências do Congresso. No partido, o projeto só interessa a uma única pessoa: o presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Ainda assim, a idéia segue empatando a vida do governo e do país. Para quem duvida dessa façanha contraproducente, vale a pena dar uma olhadela nos números: de 19 de maio, quando o substitutivo da emenda foi apreciado e rejeitado, até ontem, passaram-se 20 semanas (já descontado julho, mês do recesso) e a Câmara realizou votações em apenas duas delas, aprovando meia dúzia de projetos de lei e medidas provisórias que aspiram à irrelevância. Um terceiro grupo no PT, o dos insatisfeitos com a campanha eleitoral, acha que a busca do apoio de Paulo Maluf para a prefeita Marta Suplicy ultrapassou os limites do aceitável. "O que o PT está perdendo não é o seu perfil de esquerda, mas o perfil moral, e isso é muito grave", diz um parlamentar da sigla. "O PT está se esgotando como expressão partidária renovadora", reclama outro petista. Os ministros preocupados com a governabilidade temem a esquerda do partido, que pode ganhar força agora nesse momento de fragilidade, e a desintegração. A prefeita eleita de Fortaleza, Luizianne Lins, por exemplo, planeja fazer barulho dois dias antes da reunião da executiva nacional, no fim do mês. Desde que foi isolada, em 1995, nunca a esquerda do PT teve tanto espaço para ocupar.

Petistas não assimilaram derrotas em SP e RS

Abrindo os cofres O governo deu um passo importante, na noite de ontem, para apaziguar a situação de motim vivida pelo PMDB. Aprovou a liberação imediata de R$ 260 milhões para o pagamento de despesas previstas em emendas de parlamentares ao orçamento. Os gastos já estavam empenhados, mas o dinheiro não saía dos cofres do Tesouro. Num sinal de que vai brigar para manter o partido em sua base de apoio, o governo fez mais: aprovou a liberação de R$ 100 milhões para novos empenhos. É claro que o dinheiro não beneficia apenas o PMDB, mas já é uma ajuda e tanto. Impressões de viagem Quando esteve na Rússia, o vice-presidente José Alencar não teve boa impressão da fábrica que produz o caça Sukhoi, o preferido dos militares brasileiros. Alencar achou o lugar, um grande galpão empoeirado, um tanto "derrubado". Com a franqueza que lhe é peculiar, Alencar fez uma pergunta desconcertante aos anfitriões: "Esse avião (o SU-35) existe?". Os russos responderam que se trata de um protótipo que está sendo desenvolvido para atender, em 2007, à encomenda brasileira. Neófitos em capitalismo, mas não em esperteza, os russos querem fazer com o Brasil o seguinte negócio: eles nos vendem aviões e nós, carne in natura. Não foi à toa que impuseram restrições à carne brasileira enquanto corria a licitação para a compra dos caças, num negócio que pode chegar a U$ 1 bilhão. Durante as conversas com autoridades russas, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, José Amauri Dimarzio, integrante da delegação de Alencar, teve que ouvir uma tese absurda, e refutá-la imediatamente, segundo a qual, o frango brasileiro tem problemas na Rússia por causa da febre aftosa na Amazônia (sic). Constrangido, Dimarzio explicou que não se produz frango nessa região e que febre aftosa dá em boi e não em frango. Cheios de bossa, os russos planejam uma graça na vinda de seu presidente, Vladimir Putin, ao Brasil, daqui a duas semanas. Para promover seus caças, eles querem ver o Sukhoi fazendo escolta do avião presidencial russo no espaço aéreo brasileiro.