Título: Constituinte em 2006 é uma garantia para o crescimento
Autor: Paulo Safady Simão
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2005, Opinião, p. A12

Nos últimos meses, tornou-se comum a afirmação de que a atual crise política não afeta o desempenho da economia. Lideranças políticas e empresariais, economistas, jornalistas, acadêmicos, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todos parecem acreditar que a economia passa incólume por uma crise que já derrubou ministros de Estado e ameaça ceifar os mandatos e os direitos políticos de mais de uma dezena de deputados federais. O novo recorde histórico nas exportações, divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, contribuiu para reforçar esse argumento. Afinal, o saldo da balança comercial brasileira nos últimos 12 meses já acumula US$ 40,1 bilhões, um crescimento de 27% em relação ao mesmo período do ano passado. Reconhecemos, como inegáveis, os avanços institucionais e econômicos alcançados pelo Brasil nos últimos anos. A começar pela implantação e consolidação do Estado de direito democrático, que permite a administração de crises políticas, como a atual, em ambiente de plena liberdade. Não existe, como em outros tempos, o risco da ruptura institucional, que gera insegurança e incentiva a prática do autoritarismo e do arbítrio. Ao mesmo tempo, dispomos de um parque industrial altamente produtivo e sofisticado, e de uma economia estável em seus fundamentos básicos. No entanto, quando se compara o ritmo de crescimento econômico do Brasil ao de outros países em desenvolvimento, como a China, a Índia e a Coréia, conclui-se que o país ainda não encontrou o seu nível de desenvolvimento desejado. Infelizmente, os números são eloqüentes. Nos últimos 25 anos, de 1980 a 2005, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 71,6%, e a renda per capita do brasileiro, apenas 17,1%, se considerada a estimativa de crescimento econômico para este ano (3,5% do PIB). É quase nada para um país com a dimensão, o potencial e a necessidade do nosso. No mesmo período, a economia da China cresceu 862,8%, a da Coréia 421,7% e a da Índia, 306,2%. Entre os países considerados "emergentes" ficamos à frente apenas da Argentina, cuja economia cresceu, em um quarto de século, míseros 43,9%. Entendemos que, a despeito do momento favorável que estamos vivendo na economia, como resultado - entre outras variáveis - do crescimento da economia mundial, o Brasil só atingirá o estágio desejado de desenvolvimento econômico, político e social se realizar algumas reformas estruturais profundas. Reunidos em Gramado (RS) no mês de agosto, durante o Encontro Nacional da Indústria da Construção (ENIC), 1.200 empresários da indústria da construção e do mercado imobiliário manifestaram sua posição sobre a atual crise política, reafirmaram sua confiança nas instituições democráticas e apontaram o caminho que lhes parece mais viável para se chegar às reformas. Na chamada "Carta de Gramado", os empresários da construção propuseram a eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, em 2006, para discutir e aprovar, no período determinado de um ano, três reformas consideradas essenciais: a reforma política, para dotar o país de uma nova legislação eleitoral e partidária, capaz, entre outras coisas, de fortalecer os partidos políticos e dar maior transparência ao sistema de financiamento das campanhas eleitorais; a reforma fiscal e tributária, para garantir um modelo de arrecadação de impostos mais simples e justo, capaz de ampliar o universo de contribuintes e de reduzir a carga tributária e a informalidade; e a reforma de Previdência Social, a fim de corrigir as distorções de um sistema de aposentadorias e pensões que onera o Estado e inibe a sua capacidade de investir.

Até que mudanças surtam efeito, é preciso reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto

Em sintonia com outros setores da sociedade, os empresários da indústria da construção e do mercado imobiliário - representando um setor que responde por 7,8% do PIB - concluíram que essas três reformas são indispensáveis para garantir o crescimento sustentado da economia nos próximos anos em níveis mais adequados à necessidade do país - um índice entre 5% e 7% ao ano. Teoricamente, as reformas que defendemos poderiam ser aprovadas pelo futuro Congresso Nacional, a ser eleito no próximo ano juntamente com o futuro governo. Um Presidente da República recém-eleito, apoiado pelo voto da maioria absoluta dos eleitores, teria poder e legitimidade para propor as reformas e apoiá-las no Congresso. Acreditamos, contudo, que só uma Assembléia Constituinte exclusiva permitiria a análise dos projetos do Executivo com a isenção e a imparcialidade necessárias. No caso, o interesse do país deverá prevalecer sobre o interesse específico de regiões, segmentos econômicos, grupos e/ou corporações de qualquer natureza. No curto prazo, e até que as reformas estruturais possam gerar os seus efeitos benéficos, precisamos encontrar um mecanismo que permita ao governo administrar os efeitos de eventuais choques econômicos. A saída pode estar na proposta apresentada recentemente pelo economista e consultor Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas, durante fórum promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos. Ele defende a redução da relação dívida pública/PIB, hoje na casa de 51,3%, para patamares inferiores a 40%. Na tese de Raul Velloso, o nível atual desta relação - somado ao fato de que o perfil da dívida é composto, principalmente, de títulos que dependem da variação da Selic e do câmbio - constitui, na visão dos investidores, uma ameaça constante de calote. O que cria um círculo vicioso entre a instabilidade da inflação e a variação das taxas Selic e de câmbio, cujo resultado é sempre o aumento da dívida pública, nem sempre acompanhada de aumento equivalente do PIB. Velloso defende o estabelecimento de uma meta para a relação dívida/PIB e sugere a criação de uma espécie de "gatilho" temporário, pelo qual a meta de superávit primário seja aumentada, de forma automática, sempre que houver alguma ameaça de crescimento nas despesas da União. Ele quer colocar o superávit primário a serviço da redução da dívida pública, assim como a taxa de juros Selic está, hoje, a serviço do controle da inflação. A fórmula permitiria a redução da dívida pública de maneira constante e duradoura, criando condições objetivas para a queda dos juros e a retomada dos investimentos. É tudo o que o país precisa, no curto prazo, para viabilizar a aprovação e consolidação das reformas estruturais, com resultados de médio e longo prazos.