Título: Falta de transparência gera prejuízos
Autor: Cibelle Bouças e Vanessa Jurgenfeld
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2005, Agronegócios, p. B12
A demora do governo brasileiro em informar aos países clientes sobre a descoberta de focos de febre aftosa ajuda a criar mais impasses à carne bovina no mercado internacional, na avaliação de Ênio Marques, consultor em pecuária da MP Consultoria e ex-diretor-executivo da Abiec (que reúne os frigoríficos exportadores). "O país tem que informar imediatamente à OIE e aos países clientes a ocorrência da aftosa. Como o governo é lento para prestar esclarecimentos, os países acabam adotando medidas mais enérgicas", diz. Ele observa que o primeiro foco do Mato Grosso do Sul, identificado no fim de setembro, só foi comunicado à Organização Internacional de Epizootias (OIE) no dia 10 de outubro. E atraso semelhante aconteceu no surgimento do surto de Jóia, em 2000. Marques foi diretor-executivo da Abiec durante a crise de aftosa no Rio Grande do Sul há cinco anos. Segundo ele, à época, os prejuízos com a doença ficaram concentrados no Estado. "Geograficamente era mais fácil separar o Estado do resto do Brasil para a definição da barreira sanitária." Segundo ele, os frigoríficos gaúchos foram substituídos por plantas de outros Estados e os contratos de exportação foram cumpridos sem grandes dificuldades. Ele observa que, naquele ano, o setor foi favorecido pelo surgimento dos casos de mal da "vaca-louca" na Europa, que favoreceu a abertura de mercados ao Brasil. "Naquele ano, o volume de embarques cresceu em relação a 1999. O país poderia ter exportado mais, mas a aftosa impediu que se concretizasse a expectativa total de ampliação das vendas externas", diz. De acordo com dados da Secex compilados pelo Ministério da Agricultura, em 2000, as vendas de carne bovina totalizaram 320,9 mil toneladas, 8% mais que em 1999, mas bem abaixo das 600 mil toneladas previstas pelo setor. Em receita, o setor faturou US$ 768,7 milhões, frustrando a previsão de alcançar US$ 929 milhões - o que significa que o país deixou de ganhar US$ 160 milhões. Ainda assim, o valor ficou 0,7% abaixo da receita de 1999. Marques lembra ainda que, nesse período, o país iniciava as exportações à Rússia e, por isso, não era tão dependente deste mercado. Hoje, segundo dados da Secex, a Rússia responde por 16% dos embarques de carne bovina in natura e 58% da carne suína in natura. Marques diz que parte dessas "perdas" poderiam ser evitadas se houvesse mais transparência do governo junto aos demais países. Ele acredita que as perdas com o atual surto de aftosa não atingirão os valores estimados pelo mercado, que chegam a US$ 1,5 bilhão. "O Mato Grosso do Sul terá perdas porque muitos frigoríficos não têm plantas em outros Estados para redirecionar a produção, mas certamente a maioria dos contratos será cumprida." Sérgio de Zen, pesquisador do Cepea/Esalq, calcula, com base no preço médio internacional, que para cada 100 mil toneladas que o Brasil não exportar, deixará de faturar US$ 250 milhões. O Ministério da Agricultura calcula que os prejuízos podem chegar a US$ 1,7 bilhão se forem confirmados os focos no Paraná - o que afetará também os embarques de carne suína. Zen diz que a expectativa do setor era exportar 1,9 milhão de toneladas no ano, mas segundo a Abiec, até setembro, os embarques atingiam 1,876 milhão de toneladas. Antônio Camardelli, diretor-executivo da Abiec, diz que o setor não deve atingir a meta de receita prevista para o ano, de US$ 3 bilhões. Até setembro, a receita com exportações do setor chegava a US$ 2,444 bilhões. (CB)