Título: Anunciar superávit acima de 4,25% é desnecessário, diz Appy
Autor: Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2005, Brasil, p. A3

O governo está empenhado em melhorar a qualidade do ajuste fiscal através de um controle efetivo das despesas, evitando que esse equilíbrio seja baseado unicamente no aumento da carga tributária. A afirmação é do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que dá o exemplo de aperfeiçoamento do gasto que tem de ser feito: a gestão da Previdência. Para este ano, o que se espera é um déficit de R$ 38,6 bilhões, apesar do recorde de arrecadação, que pode ultrapassar R$ 109 bilhões. Appy diz que há uma posição muito clara do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em buscar uma trajetória de ajuste estrutural das contas públicas. Segundo o secretário, o compromisso básico da política fiscal é reduzir, de maneira sustentada, a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) e também procurar melhorar a qualidade do ajuste fiscal. "Chegar em alguns anos no déficit nominal zero não é o que está colocado. O parâmetro da discussão é como criar condições para ter uma política fiscal racional, que assegure a redução da relação dívida/PIB. Tendo uma estrutura fiscal que assegure esse objetivo, automaticamente o ajuste está feito", explica. Appy também nega a necessidade de anunciar um superávit primário maior que os 4,25% do PIB em 2005. Na sua opinião, não é preciso ficar "mudando de alvo". "Estamos gerindo a política fiscal da maneira mais adequada possível. A imprensa e o mercado são muito aflitos por declarações, números e metas. Peço que avaliem o que está sendo feito pelos resultados", diz. Quanto à polêmica do real excessivamente valorizado frente ao dólar, ele defende o regime flutuante e critica o "desastroso" controle do câmbio no governo de Fernando Henrique Cardoso. Recentemente, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, revelou seu temor de impactos negativos nas exportações a partir de 2006. "A vantagem do sistema de câmbio flutuante é que garante o equilíbrio do balanço de pagamentos", defende. "Nunca tivemos três anos seguidos de superávit em transações correntes como no triênio 2003-2005", ressalta. O maior problema das críticas à política cambial, segundo o secretário, é até onde um governo deve intervir. Appy afirma que, desde que o Brasil adotou o câmbio flutuante, houve uma mudança estrutural no comportamento do comércio exterior brasileiro. Na análise do secretário, o câmbio flutuante permitiu um aumento muito forte das exportações e também do volume de comércio do país (relação entre exportações mais importações e PIB). "Neste ano, o volume de comércio deve alcançar os 30% do PIB, que é um volume inédito nos últimos 50 anos. Portanto, não há uma discussão sobre se o nível de câmbio é adequado ou não." O cenário previsto pela Secretaria de Política Econômica é de um crescimento de 4,5% do PIB em 2006. Além disso, a taxa de inflação vai convergindo para as metas. Appy acredita na continuidade do crescimento, com a consolidação da estabilidade macroeconômica, criando espaço para redução consistente das taxas nominais e reais de juros. Outra medida de otimismo e confiança do secretário é a certeza na ampliação do crédito. O governo federal tem propostas de reformas microeconômicas voltadas para um aumento da eficiência do mercado do crédito. A redução do spread bancário e o aumento da concorrência entre as instituições financeiras são os objetivos. Appy cita o crédito consignado como exemplo de medida que trouxe mais concorrência entre as instituições financeiras, porque aumentou a segurança nos recebimentos dos créditos e reduziu o spread bancário. Também está no Congresso o projeto do cadastro positivo, que abre espaço para que os bancos de dados de proteção ao crédito possam incorporar também informações positivas sobre o histórico das pessoas. Appy critica a atual assimetria de informações. Os bancos conhecem os clientes que são bons pagadores, mas não têm incentivo para divulgar essa informação. "O que tende a puxar a expansão da demanda é a expansão do crédito. É uma conseqüência natural do equilíbrio macroeconômico. Não tenho a menor dúvida que a tendência de médio e longo prazos é, claramente, a continuidade na expansão do crédito", prevê. Apesar da crise política, Appy diz que a economia continua tendo desempenho bastante positivo. A explicação, segundo ele, está baseada em um "tripé da consistência macroeconômica": contas fiscais em ordem, inflação sob controle e contas externas sólidas. "Continuamos com uma trajetória de crescimento e os projetos de investimentos continuam. Nós temos acompanhado isso. Poderiam estar num ritmo maior não fosse a crise política? Difícil avaliar. Estaríamos melhor sem a crise política? Não tenho dúvida", admite. Não fosse a solidez macroeconômica, Appy reconhece que o país estaria muito pior com o atual ambiente político. Ele admite que o ritmo de votações no Congresso foi afetado pela crise política, mas diz que isso não impede alguns avanços, como, por exemplo, no projeto das novas normas contábeis. Sua previsão é que a proposta poderá ser votada em quatro semanas. Uma das principais mudanças sugeridas é a criação de um órgão externo integrado por especialistas, que vão recomendar as mudanças nas normas contábeis que serão aceitas pelos órgãos reguladores: CVM, Banco Central, Susep etc. O objetivo é que as normas contábeis brasileiras sejam convergentes para os padrões internacionais. O impacto positivo está na redução do custo de capital. Além disso, Appy afirma que o novo patamar nas normas contábeis fará com que os balanços reflitam melhor a situação das empresas, com mais transparência. "Principalmente no mercado internacional, espera-se uma queda no custo do crédito das empresas. A compatibilidade dos balanços com parâmetros internacionais ajuda a reduzir o custo do crédito. Mais transparência tem efeitos positivos sobre a competição entre as empresas", diz o secretário de Política Econômica.