Título: Países fazem pressão para UE melhorar oferta agrícola
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2005, Brasil, p. A6

Comércio Exterior Proposta européia na OMC decepciona Brasil e EUA

O Brasil não fará movimento nas negociações de produtos industriais e serviços na Rodada Doha enquanto a União Européia (UE) não melhorar sua nova oferta agrícola, indicam negociadores brasileiros. O G-20, grupo liderado pelo Brasil, deve sinalizar hoje que o momento não é de propostas tipo "pegar ou largar". O desbloqueio da rodada depende em boa parte do resultado de nova reunião nesta quarta-feira entre ministros do Brasil, UE, Estados Unidos, Austrália e Índia, por videoconferência. Na sexta-feira, Peter Mandelson, o comissário europeu de Comércio, colocou na mesa o que ele chamou de "última oferta". Mas, sob pressão, acabou admitindo que ela era "base" para continuar negociando. Foi quando o negociador comercial dos EUA, Rob Portman, habilmente sugeriu continuar a discussão nesta quarta-feira. A nova oferta européia, que deveria reativar a Rodada Doha, foi rechaçada por duas razões: primeiro, é insuficiente; segundo, o preço cobrado é alto demais. Em vez do corte médio de 46% anunciado, diferentes metodologias apontam para uma redução entre 39% e 41%. A oferta é embalada de tal forma que um aumento do corte pelos europeus implicaria redução maior também nas alíquotas de países como Índia, que não querem nem ouvir falar nisso. "Ela pode servir para manipular e dividir países em desenvolvimento", avalia André Nassar, do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Bruxelas tampouco reduz o número de produtos sensíveis, como prometera, e sim amplia a proteção para seus agricultores. A compensação por ter produtos sensíveis, que terá tarifas mais altas, deve vir com aumento de cotas. Mas a UE só oferece aumento entre 10% e 15% nas cotas, quando todo mundo está trabalhando hoje com duplicação dos volumes. Além disso, Bruxelas pede salvaguarda especial agrícola, para frear súbitos aumentos de importação de carne bovina, frango, manteiga, açúcar e vegetais. O preço cobrado por tudo isso é salgado. Enquanto propõe corte de 39% nas tarifas agrícolas, exige em contrapartida redução de 75% das tarifas consolidadas da importação de produtos industriais e bens de consumo no Brasil. A tarifa máxima no país cairia de 35% para 10%. A UE é especialmente ambiciosa na sensível área de serviços, que inclui financeiros (bancos, corretoras, seguradoras), telecomunicações, infra-estrutura etc. Quer que todos os países se comprometam a abrir de 85% a 90% dos 163 sub-setores: os industrializados teriam de fazer compromissos em 139 sub-setores. O compromisso das nações em desenvolvimento seria com dois terços dos sub-setores, assim devendo abrir 93. "Essas demandas são totalmente descabidas e foram rejeitadas por todos", disse o embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Clodoaldo Hugueney. Mandelson ignorou a ameaça de veto francês no caso de novas concessões. Mas Paris reafirmou que a ameaça do presidente Jacques Chirac continua válida. Negociadores em Genebra consideram difícil Bruxelas dar novos passos depois de amanhã. Pode deixar isso para a grande barganha em Hong Kong. Mas um diplomata francês sugeriu que os negociadores europeus "enquadrem (a ameaça de veto) no escritório e façam genuflexões diante dela toda manhã". Nesse cenário, fontes na OMC acham que a UE só pode dar novos passos se emergentes como Brasil e Índia se moverem nas outras áreas depois de quarta-feira. "O Brasil vai ter de se mexer, sob pena de acabar levando a culpa no bloqueio da rodada", diz um analista. No entanto, Hugueney indaga como o Brasil poderia agir assim, quando a própria UE já disse que sua oferta agrícola é final. A Índia não esconde que a proposta agrícola européia é "interessante", mas reclama das condicionalidades nas outras áreas. Para o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, Bruxelas fez uma oferta "séria". O simples fato de ninguém ter abandonado a mesa de negociações já é considerado um ponto positivo, no contexto em que a Rodada Doha se encontra, estimam negociadores em Genebra. Em Washington, Portman insistiu que os europeus precisam ceder em agricultura para conseguir avanços em serviços e tarifas industriais. Portman contou que nas conversas com o Brasil ficou certo de que o país está disposta a abrir a área industrial, mas só se houver avanço em agricultura. Além da videoconferência de quarta-feira, ministros do Brasil, EUA, UE, Índia e Austrália vão se reunir no dia 7 em Londres e nos dias seguintes em Genebra. (Colaborou TB, de Washington)