Título: Governo divide-se entre a busca de conciliação e o confronto com adversários
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2005, Política, p. A8

Embora cheguem ao Congresso notícias de que o Palácio do Planalto está preocupado com o acirramento da disputa entre oposição e governo, a decisão da direção do PT de subir o tom dos ataques ao PSDB e PFL conta com o aval do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ofensiva fica evidente a partir das últimas manifestações do diretório nacional do PT e dos discursos de Lula. Mas há controvérsia no interior do governo sobre a eficácia da estratégia adotada pelo presidente e pelo partido.

Um grupo de ministros que tem interlocução privilegiada com tucanos e pefelistas - Jaques Wagner (Relações Institucionais), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Antonio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) - acha que essa guerra pode azedar de vez as relações entre Executivo e Legislativo e comprometer a votação de projetos de interesse do governo no Congresso.

Já na linha de fogo, Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), Luiz Marinho (Trabalho), Ricardo Berzoini (presidente do PT) e Tarso Genro (ex-ministro da Educação) defendem que Lula e o PT se mantenham na ofensiva para desgastar a oposição com avaliações comparativas. Eles consideram que o PT precisa ser duro para " desmascarar " o discurso moralista da oposição sobre esquemas de corrupção e utilização de caixa 2 em campanhas eleitorais. Nessa linha, a orientação é, sempre que possível, estabelecer comparações entre os oito anos de gestão de Fernando Henrique Cardoso com a de Lula.

Na realidade, o PT entrou agora no embalo que Lula inaugurou em julho deste ano, quando defendeu a tese de que caixa 2 é um problema generalizado e afeta todos os partidos brasileiros. Já no mês seguinte, em Garanhuns (PE), sua terra natal, Lula trouxe a reeleição para o centro do palanque: " Se eu for candidato, com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir outra vez, porque o povo brasileiro vai querer " .

Até a eleição de Ricardo Berzoini para a presidência do partido, em outubro, o PT parecia acuado e sem reação às críticas da oposição sobre o envolvimento do partido no esquema de corrupção investigado pelo Congresso. A partir daí, o partido adotou a linguagem de Lula. Na última viagem do presidente à Europa, o ministro Luiz Dulci surpreendeu ao criticar diretamente FHC e acusá-lo de práticas sectárias e anti-democráticas.

Poucos dias depois, o diretório nacional do PT, em resolução, reforçou essa conduta. Os petistas acusam o " governo tucano-pefelista " de " representar na história do país os interesses mais mesquinhos da modernização conservadora " ; enfatizam que o PT herdou do governo FHC " juros altos, anarquia nas contas públicas, inflação alta, políticas sociais e educacionais indigentes, dívidas brutais com os aposentados, exportações em crise e dívida pública quadruplicada " .

O ataque passou do discurso à prática. No Senado, o PT agiu para convocar o ex-tesoureiro Cláudio Mourão, responsável pela campanha de 1998 do tucano Eduardo Azeredo (MG), a prestar depoimento na CPI dos Correios. O caso constrangeu o PSDB e obrigou o partido a trabalhar pelo afastamento de Azeredo da presidência da sigla.

Segundo Berzoini, não há nenhuma divisão entre o PT e o Palácio do Planalto no que se refere a essa estratégia de ataque à oposição. " Tenho que defender os interesses do PT. Há conversas na guerra " , resumiu o presidente do PT.

O fato, no entanto, é que a escalada dos ataques recíprocos preocupa parte do governo. Na quinta-feira, a despeito do clima tenso e hostil, Câmara e Senado conseguiram concluir votações relevantes, da Medida Provisória 255 (que incorporou a MP do Bem). A votação ocorreu enquanto, no Conselho de Ética da Câmara, os parlamentares apreciavam o mais significativo processo de cassação, contra o deputado e ex-ministro José Dirceu (PT-SP). O quadro, no entanto, está longe de significar a retomada de uma rotina de normalidade no Congresso. A convergência política em torno da 255 não deve se repetir na votação da MP 258, que trata da criação da Super-Receita.