Título: Denúncias derrubam presidentes de partidos
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2005, Política, p. A8

A crise política, mais do que o Congresso e o Executivo, atingiu de forma fulminante as cúpulas partidárias brasileiras. Das sete maiores legendas do Congresso, cinco perderam seus presidentes por envolvimento na crise. A vítima mais recente foi o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), que usou recursos ilegais do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza na campanha para o governo estadual em 1998. O mesmo Valério derrubou o presidente nacional do PT, José Genoino, depois da descoberta dos empréstimos avalizados por Valério ao partido em 2003. Roberto Jefferson (PTB-RJ) teve seu mandato cassado por embolsar R$ 4 milhões do esquema e por fazer tráfico de influência no Executivo. Valdemar Costa Neto (PL-SP) renunciou ao mandato por utilizar dinheiro de caixa 2 para a campanha de 2002, inclusive a presidencial. Pedro Corrêa (PP-PE) pegou dinheiro de Valério e alega que usou os recursos para pagar serviços de advocacia, mas está no corredor da morte política. "A contaminação dos partidos acabou por afetar a legitimidade das eleições, dos eleitos e influenciou fisiologicamente o Congresso Nacional", diagnosticou o historiador e professor de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB), Octaciano Nogueira. Ele lembra que o sistema político é composto de partidos, eleitores, voto e instituições representativas. O erro brasileiro é colocar os partidos como mola-mestra nesse processo complexo. "Mas as legendas alternam a posição de condicionantes e a de condicionados. Não dá para dizer se os partidos corrompem o sistema ou se ocorre o inverso". Para Nogueira, esta ausência de limites éticos não é um privilégio brasileiro e acontece em todas as principais democracias representativas mundiais. Cita diversos episódios internacionais, como a "Operação Mãos Limpas", que praticamente implodiu todos os partidos políticos italianos. "O financiamento ilegal e o pagamento de propinas também encerraram a carreira do ex-chanceler Helmut Kohl na Alemanha e do ex-primeiro ministro Andreas Papandreau, na Grécia". O professor de ciências políticas da UnB, David Fleischer, acrescenta que o suposto Caixa 2 acabou virando um guarda-chuva para encobrir outros tipos de crimes. Fleischer destaca que ninguém sabe a origem dos recursos que abasteceram o valerioduto, o que torna a operação ainda mais suspeita. Para ele, tráfico de influência nas estatais e nos fundos de pensão é um problema penal, não eleitoral. "Querem tentar diminuir o tamanho da penalidade e a importância do crime praticado", resumiu. Na visão do cientista político, a descoberta do escândalo levou os partidos a classificarem o caixa 2 como uma mera contravenção. Cita que até o caçula dos partidos, o P-SOL, estreou no rol dos impuros, depois da descoberta de que o senador Geraldo Mesquita (AC) cobrava um mensalinho de seus funcionários. "O grande mal é que não há como punir todas as pessoas. As leis não pegam e a justiça, especialmente a eleitoral, é disfuncional". Apesar de o problema não ser novo, Fleischer não deixa de se assustar com os contornos tomados pelo escândalo. Lembra que denúncias de corrupção sempre atingiram integrantes de partidos, mas essa devastação nas cúpulas é impressionante. "Desta vez foi dose. Nunca se viu tanta gente, a rodo, envolvida num mesmo escândalo. É falta de vergonha na cara". O presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Geraldo Tadeu Monteiro, vai buscar a explicação do momento atípico em um estudo publicado em 1904 pelo cientista político Robert Mitchels, intitulado "Lei de Ferro das Oligarquias". Segundo o documento, os partidos políticos são dirigidos por grupos fechados, que formam quadros específicos e abandonam as pressões populares e os movimentos de massa. "A novidade neste cenário é o PT. Mas essa transfiguração é resultado do acúmulo de poder do campo majoritário durante a última década", apontou Geraldo Tadeu. Essa centralização na mão de poucos também levou os partidos a se ausentarem dos debates políticos nacionais. Vide o exemplo do referendo sobre o comércio de armas de fogo, quando as legendas políticas não manifestaram claramente suas opções e foram criticadas exatamente por terem ficado alheias à campanha. "Tudo isto acaba sendo resultante da nossa cultura política individualista, que não prestigia estruturas partidárias, mas nomes isolados". Cita, por exemplo, o PMDB, o maior partido do país e que, por acaso, ainda não teve sua cúpula dirigente envolvida neste escândalo. Muito embora o ex-líder na Câmara, José Borba (PR), tenha renunciado para evitar a cassação por locupletar-se com os recursos do valerioduto. "O PMDB é a maior legenda justamente porque é a mais frouxa. Cada um vota como quer, faz o que quer, não se pune ninguém, aceita-se a adesão de qualquer um". Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral durante um período de bi-partidarismo, Célio Silva não esconde a decepção com o momento político atual. Ele lamenta que o sistema corrompido não incomode ninguém - nem políticos, nem partidos, nem empresários, que acabam achando tudo muito natural. "É um círculo vicioso, é bom para todo mundo. Mas desta vez as cúpulas partidárias passaram do limite. Em alguns casos, a base dos partidos nem desconfiava do que estava acontecendo". A própria desvalorização do papel político contribuiu. "Ninguém mais confia em seu poder de orador, em seu programa. Contratam uma dupla caipira, uma cantora bonita e vendem o candidato como se fosse sabonete".