Título: Uma avaliação do regime de metas de inflação no Brasil
Autor: Luiz Fernando de Paula
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2005, Opinião, p. A10

Experiência resultou em baixo crescimento e índices de preços relativamente altos

Em estudo recente, escrito em co-autoria com Philip Arestis (Universidade de Cambridge) e Fernando Ferrari (UFRGS), procuramos comparar - usando dados do FMI - a experiência brasileira com metas de inflação com a de outros países emergentes, dividindo-os em dois grupos: 1) países que adotaram metas de inflação; e 2) países que não adotaram. Além disso, buscamos avaliar algumas especificidades do caso brasileiro (o artigo intitulado "Inflation Targeting in Emerging Countries: the case of Brazil" está disponível no sítio: http://paginas.terra.com.br/educacao/luizfpaula/home.htm ). Uma primeira avaliação comparativa feita a partir de dados relativos ao comportamento da taxa de inflação e da taxa de crescimento do PIB, desde a década de 1980, mostra que a queda na taxa de inflação é uma tendência geral entre os países emergentes, tanto para países que adotaram metas de inflação, quanto para aqueles que não adotaram. De fato, alguns países emergentes que não adotaram metas de inflação, como China, Índia, Egito e Malásia, tiveram taxas de inflação média abaixo de 4% ao ano nos últimos anos. Tampouco há evidências de que países emergentes que adotaram metas de inflação tiveram nos últimos anos um desempenho melhor em termos do PIB do que os países que não adotaram. De novo, China, Índia, Malásia e Egito estão entre os países que tiveram o melhor desempenho em termos do crescimento do PIB, com média de 9,8%, 6,1%, 6,0% e 4,6%, respectivamente, em 1992/2003, enquanto há países que adotaram metas de inflação e tiveram um crescimento bem mais baixo no período - República Checa (2,2%), México (2,7%) e Israel (3,9%). Os dados acima referidos parecem sugerir que os melhores resultados econômicos podem resultar de outros fatores não relacionados à adoção de um regime de metas de inflação. Alguém poderia sugerir que estes resultados são específicos dos países emergentes, e que não seria o caso dos países desenvolvidos, onde o regime de metas de inflação seria mais adequado. Tampouco há evidências para isto. Um estudo recente feito por Ball e Sheridan, analisando os países do OCDE, conclui que "os aspectos formais e institucionais do regime - anúncio público das metas, relatórios de inflação e independência dos bancos centrais - não são importantes. Nada nos dados sugere que metas convertidas iriam se beneficiar de adotar metas explícitas". Dentro deste panorama geral, Brasil é um caso interessante: a inflação tem se mantido elevada quando comparada a outros países emergentes no período recente (IPCA médio de 8,7% em 1999/2004), apesar de o país praticar uma das maiores taxas de juros do mundo (média de 19,8% em 1999/2004). Ao mesmo tempo, em boa parte devido às elevadíssimas taxas de juros, o crescimento do PIB real (média de 2,3% no mesmo período) tem se mantido claramente abaixo das necessidades de crescimento do país.

Para sair do impasse econômico, o país precisa criar condições para reduzir os juros e a volatilidade do câmbio

No Brasil, a volatilidade da taxa de câmbio tem sido considerável a partir da adoção de um regime de câmbio flutuante, em 1999. De fato, como a experiência brasileira recente atesta, em países emergentes com elevado nível de dívida externa e conta de capital totalmente liberalizada, fluxos de capitais externos podem causar períodos de intensa instabilidade na taxa de câmbio. Estudos empíricos têm mostrado que as autoridades monetárias brasileiras usam a taxa de juros não somente para controlar diretamente a inflação, mas também para influenciar a taxa de câmbio, buscando controlar em alguma medida as pressões sobre a taxa de câmbio nominal. Como mostra o gráfico, os índices de preços no Brasil acompanham, com alguma defasagem, o movimento da taxa de câmbio. Em outras palavras, a elevação ou diminuição da inflação no Brasil resulta, em boa medida, da depreciação ou apreciação cambial. Portanto, a taxa de câmbio é uma variável-chave para entender o movimento da inflação no Brasil. Em particular, em momentos de saídas mais significativas de capitais do país, o Banco Central é obrigado a responder à maior depreciação cambial elevando a taxa de juros para evitar o aumento da inflação. No caso do IGP-DI, dada a sua maior sensibilidade à taxa de câmbio (já que é composto em 60% pelo índice de preço de atacado), a influência do câmbio é ainda mais marcante do que no IPCA. Já no caso do IPCA, que é o índice oficial da inflação, a taxa de câmbio influencia direta e indiretamente: diretamente pelo efeito causado pela apreciação ou depreciação cambial sobre os custos de produção das empresas (em função do barateamento ou encarecimento dos bens importados); e indiretamente via IGP, já que este índice é usado como referência para reajustar alguns preços administrados, como eletricidade. Segundo nossos cálculos, o peso dos preços administrados no IPCA foi de cerca de 28% em média no período de abril de 2003 a março de 2005. Portanto, ainda há um componente inercial significativo na taxa de inflação brasileira. Considerando que esses preços são insensíveis ao movimento da taxa de juros, o Banco Central é "obrigado" a praticar taxas maiores do que seriam necessárias para controlar a inflação que resulta dos preços livres. Em conclusão, a experiência do funcionamento do regime de metas de inflação no Brasil tem resultado em uma performance econômica pobre com taxas de inflação relativamente elevadas. Torna-se necessário, portanto, discutir alternativas para a superação desta situação, o que passa não somente pela necessidade de criar condições para a redução da taxa de juros como também de criar instrumentos para reduzir a volatilidade excessiva da taxa de câmbio no país.