Título: Em discurso, Lula isenta os militares
Autor: Taciana Collet
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Política, p. A-8

Ao dar posse ontem ao vice presidente José Alencar como ministro da Defesa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu uma harmonia entre servidores civis e militares sem, no entanto, referir-se diretamente à crise militar que levou à demissão do ex-ministro José Viegas. No discurso de posse, Alencar ressaltou os "imensos desafios" e a "escassez" de recursos da pasta, mas evitou polêmicas. Em entrevista, não quis afirmar se manterá ou não no cargo o comandante do Exército, Francisco Albuquerque, pivô da saída de Viegas. "Os três comandantes reunidos comigo foram unânimes em trazer uma palavra de disponibilidade a tudo que for preciso para um bom trabalho à frente do ministério", limitou-se a dizer Alencar. "Minha visão é daqui para frente, eu não tenho nada com o passado". Os assessores do novo ministro da Defesa não souberam informar se esta disponibilidade envolve também os cargos dos comandantes, especialmente o do Exército, cuja demissão estava sendo esperada para os próximos dias. Em cerimônia concorrida - com a presença de quase todos os ministros, sete governadores e lotada de oficiais-generais - Lula reiterou que gostaria de terminar o mandato sem que houvesse uma "dicotomia" entre o servidor civil e o militar. "Que ninguém fosse obrigado a pagar o resto da vida por coisas das quais muitas vezes nem participou", frisou. "Que a gente pudesse terminar esse governo mais irmanado do que em qualquer outro momento da nossa história, entre sociedade civil e os militares brasileiros." Lula enalteceu o desempenho de Viegas no cargo - foram quatro referências elogiosas - e, ao mesmo tempo, reforçou o "papel imprescindível" das Forças Armadas. Dirigindo-se aos militares, o presidente explicou que nomeou Alencar numa demonstração da importância que atribui à Defesa e observou que o cargo de vice é o mais representativo, na hierarquia, depois do próprio presidente da República, para exercer o comando das Forças Armadas. "Se alguém, um dia, no Brasil, não quis levar à sério o ministério da Defesa ou achou que era um ministério para não ser levado muito em conta, é importante que vocês saibam que no meu governo ele é levado tão a sério que primeiro foi um embaixador, da qualidade de Viegas, e, segundo, é um homem de importância da República, como o companheiro Alencar." A demissão de Viegas foi formalizada na quinta-feira, no mesmo dia em que o governo anunciou o nome de Alencar. O pedido de demissão foi feito no dia 22 de outubro, na semana em que estourou a crise militar provocada pela divulgação de fotos atribuídas inicialmente ao jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. O Exército reagiu ao episódio com uma nota com elogios ao período da ditadura militar e, por ordem de Lula, o comandante da Força foi obrigado a se retratar. Divulgada sem o conhecimento de Viegas, a nota expôs a falta de autoridade do ministro. Sem mencionar diretamente o golpe militar de 1964, Alencar afirmou que as Forças Armadas são "esteios da soberania e fatores de estabilidade", e, historicamente, souberam "superar barreiras e eventuais equívocos de percurso". Em entrevista, evitou detalhar qualquer tema alegando que precisava primeiro "conhecer a casa". Sobre a situação da Varig, afirmou: "É um dos itens que preciso tomar conhecimento. Todos estamos empenhados em uma solução." Ainda ontem José Alencar reuniu-se com o comandante do Exército, Francisco Albuquerque. Depois de, na semana passada, tornar pública a carta de demissão na qual fez duras críticas ao Exército, Viegas ontem amenizou o tom. Fez questão de discursar, mas logo avisou que não iria falar sobre as circunstâncias que o levaram a deixar o cargo. No lugar de ataques, destacou o "desprendimento, o patriotismo e a disciplina das Forças Armadas" e resumiu as ações do ministério nos últimos 22 meses. Apesar da crise das empresas aéreas, Viegas listou como primeiro ponto o fato de ter conseguido "revigorar" o setor da aviação civil. Viegas deve ser nomeado embaixador do Brasil em Madri, no lugar de Omar Choffi. "Você deixa o ministério, mas certamente não deixará o governo, porque é comprometido com esse governo antes de eu ser governo", destacou Lula. O presidente também apontou êxitos da gestão de Viegas, mas não destacou a regulação do setor aéreo. Citou a reativação do Correio Aéreo Nacional e a presença das tropas brasileiras no Haiti. "Se nós não estivéssemos no Haiti, lá estariam os militares americanos fazendo o que jamais os brasileiros vão fazer porque não iremos cumprir nenhum papel de polícia."