Título: Consumo de energia dispara e China quer diversificar fontes
Autor: Brian Bremner e Dexter Roberts
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Internacional, p. A-9

Toda a estratégia de modernização da China se baseia no acesso a fontes abundantes de energia. Suas indústrias básicas - aço, alumínio e químicos - devoram eletricidade e carvão. A crescente classe média consome cada vez mais óleo para aquecimento e gasolina. À medida que a economia chinesa cresce, o mesmo ocorre com a sua sede por petróleo, gás, carvão e eletricidade. Hoje, o país consome 12,1% da energia mundial, atrás apenas dos EUA, com 24%. Há uma década, o consumo de energia da China não passava de 9% do total. Para analistas, até 2010 56 milhões de automóveis, minivans e utilitários estarão circulando pelo país - mais que o dobro do número atual. Até 2020, a demanda por petróleo terá quase dobrado, para 11 milhões de barris por dia, a de gás natural deve mais que triplicar, para 120 bilhões de metros cúbicos, e a de carvão deve crescer 76%, para 2,4 bilhões de toneladas por ano, segundo previsões do Departamento de Energia dos EUA. Isso significa que a China terá papel importante no preço global do petróleo e nos fluxos de investimentos em energia, para não falar nas emissões de dióxido de carbono, que influencia o clima. "Haverá um enorme aumento do consumo na Ásia e, em especial, na China", diz o analista Edu Hassing, do Banco Asiático de Desenvolvimento. O país se arrisca assim a ficar cada vez mais dependente de produtores externos, o que os chineses consideram assustador. O mais provável é que, como os EUA, o país se torne mais dependente de produtores de petróleo como Nigéria, Arábia Saudita e Venezuela. Há apenas uma década, a China exportava petróleo. Hoje, importa 40% do seu consumo. A produção de grandes campos no nordeste do país está em declínio, e as grandes reservas no oeste ficam em regiões áridas e sua exploração seria mais cara, já que são muito profundas. Além disso, devido à rede precária de distribuição, o transporte da commodity até as cidades costerias seria mais um desafio. A dependência de petróleo e outras fontes de energia do exterior cria problemas. Há algum tempo há escassez e racionamento de energia no verão, mas este ano a expectativa é que haja também no inverno (que começa em dezembro no hemisfério norte). "A energia pode ser o calcanhar de Aquiles da China", diz Scott Roberts, diretor de operações da Cambridge Energy Research, de Pequim. Há um desperdício colossal de energia devido a técnicas atrasadas de mineração, ineficiência nas fábricas e outros fatores. "A China gasta três vezes a média mundial de energia para produzir US$ 1 de PIB", diz o professor Wenran Jiang, da Universidade de Alberta. Os chineses estão cientes desse problema. Em novembro de 2004, o poderoso Conselho de Estado emitiu as linhas gerais de uma nova política energética até 2020. Os objetivos são garantir mais abastecimento externo, reduzir a dependência de carvão, elevar o uso de gás natural, construir usinas nos rios do centro do país, modernizar e expandir a rede de eletricidade e incentivar a energia solar e eólica. O plano também inclui uma grande reorganização do setor de energia nuclear. A meta é ter 40 reatores até 2020, contra os atuais 9. "O crescimento está acontecendo em todos os tipos de combustível", diz o CEO da GE Energy, John Rice. A empresa obteve em 2003 contratos com a China no valor de cerca de US$ 900 milhões para a construção de turbinas no país. Apesar da diversificação de fontes, a maior parte da energia, num futuro previsível, vem do petróleo e do gás natural, e a China está determinada em garantir o abastecimento dessas commodities. Até 2025, a China provavelmente importará 75% do petróleo que usa - quase o dobro do percentual atual - e consumirá 10,6% do total mundial, segundo estimativas dos EUA. Essa demanda tende a fortalecer nos próximos anos os preços do petróleo, que já estão altos. Para reduzir a vulnerabilidade, a China tenta estabelecer fontes confiáveis, o que resulta numa forte "petrodiplomacia". O Japão - outro grande consumidor de energia - reivindica o direito de participar da exploração do campo de gás natural de Chunxiao, no mar da China Oriental, alegando que as reservas se estenderiam por um pedaço de seu mar territorial. Pequim não aceita esse argumento. Os dois países também disputam um oleoduto a ser construído a partir da Sibéria, na Rússia. O Japão quer que o duto chegue até o porto de Nakhodka, no Pacífico, de onde poderia ser transferido, por petroleiros, para o Japão e outros mercados. A China defende um trajeto mais curto, que terminaria na cidade chinesa de Daqing. Para conseguir seu objetivo, Pequim resolveu uma antiga disputa fronteiriça com a Rússia e ofereceu ao país US$ 12 bilhões em investimentos. Mas é quase certo que o Japão vença essa disputa, já que a China insiste em manter todo o controle do final do oleoduto - e, portanto, do abastecimento russo. Nesse cenário, a China procura outras fontes de petróleo. Empresas chinesas assinaram acordos para a exploração de petróleo e gás na Austrália, Indonésia, Irã, Cazaquistão, Nigéria, Papua Nova-Guiné e Sudão. Esses acordos são importantes, mas até agora representam apenas 10% das importações de petróleo do país. As parcerias com o Ocidente têm se mostrado complicadas. Em 2000, por exemplo, a PetroChina, unidade da National Petroleum Corporation, levantou US$ 3 bilhões nos mercados mundiais. A BP abocanhou 20% das ações oferecidas, mas as vendeu este ano. Em ofertas posteriores, ExxonMobil e Royal Dutch/Shell compraram partes da Sinopec, gigante chinesa de refinação e distribuição, e a Shell, parte da CNOOC, empresa de exploração marítima de petróleo. Mas as coisas não correram bem. Este ano, empresas ocidentais abandonaram dois projetos importantes para a segurança energética da China: o Chunxiao, de gás, e o oleoduto Oeste-Leste, de US$ 6 bilhões, que deve cortar o país da província de Xinjiang, no Oeste, até Xangai. Nos dois projetos, há dúvidas sobre as reservas de petróleo. Além disso, a lentidão de Pequim em dar contratos internos para empresas internacionais é um desincentivo ao aumento dos investimentos externos. É verdade que a China está permitindo que os estrangeiros entrem no decisivo campo de controle de poluição. O carvão continua a ser a fonte de 70% da energia do país. No ano passado, o Banco Asiático de Desenvolvimento afirmou que apenas 5% das usinas de energia da China tinham algum controle para valer de poluição. A China está deixando as empresas estrangeiras se especializarem em técnicas de combustão mais limpa, como transformar o carvão em combustível gasoso ou líquido, e no trabalho de limpeza. A China é o país que mais tem poluição por dióxido de enxofre, e são chinesas 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo. O Banco Mundial estima que a poluição custa ao país cerca de US$ 170 bilhões por ano, ou 12% do PIB chinês, em produtividade perdida e custos com saúde. As autoridades chinesas reconhecem esses e outros problemas e estão tomando algumas medidas para combatê-los. Mas é preciso uma campanha constante de conservação, melhorar as tecnologias relativas à energia, tratar melhor os parceiros ocidentais no campo do petróleo, bilhões de investimentos e muita sorte nas explorações em seu território e em outros países para que a China possa se sentir realmente segura em termos de segurança energética. Para o bem de sua prosperidade futura, a China precisa começar a pôr muitas coisas nos eixos - e rapidamente.