Título: Ricos pressionam Brasil por proposta
Autor: Assis Moreira e Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2005, Brasil, p. A2

Relações externas Europa, EUA e Japão esperam nova oferta de corte industrial na segunda

A reunião ministerial da próxima segunda-feria, em Londres, entre Brasil, Índia, Estados Unidos e União Européia para tentar desbloquear a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) terá a presença, antes não prevista, do Japão. Mesmo assim, os sinais não são alentadores para quem espera avanços. De um lado, a União Européia (UE) sinalizou ontem que não planeja ampliar sua oferta agrícola. Por outro lado, crescem as pressões tanto dos europeus como dos Estados Unidos, para que os países em desenvolvimento ampliem os compromissos assumidos até agora com a redução de tarifas industriais. A inclusão do Japão - um dos lideres do G-10, o grupo mais protecionista na agricultura - vai ajudar a UE a reagir contra demandas e também ampliar cobranças para Brasil e Índia mostrarem "flexibilidade" em outros temas. Na outra ponta, a estratégia dos Estados Unidos é insistir com Brasil e Índia por cortes mais amplos em tarifas industriais, o que funcionaria como um instrumento de pressão sobre os europeus para que eles melhorem a oferta de acesso a mercado para produtos agrícolas, segundo fontes em Washington. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, intensificou as conversas telefônicas com os ministros, incluindo o brasileiro Celso Amorim, insistindo que é hora de um movimento ''em todas as áreas'', informaram negociadores. Na prática, a reunião de Londres - vista de novo como "crucial" -, não se limitará a agricultura, mas a todos os temas de Doha: produtos industriais, serviços, regras antidumping e subsídios, desenvolvimento, etc, para permitir as barganhas. Na Europa, crescem os sinais de falta de que não haverá um nova oferta agrícola tão cedo. Para a França, a recente oferta européia de cortar as tarifas em 39% na média, é "incompatível" com o mandato negociador da UE, disse ontem o ministro francês da agricultura, Dominique Bussereau Said. Outro representante europeu declarou que não se pode esperar melhoras na oferta agrícola. "Nos pediram movimento em acesso ao mercado na agricultura e fizemos. Agora é a vez dos outros em outras áreas da negociação", disse o negociador de Bruxelas. Por sua vez, o embaixador brasileiro junto à OMC, Clodoaldo Hugueney, negou que as pressões aumentam sobre o Brasil. "Não senti nada, pelo menos aqui não", afirmou ontem a noite. Os EUA tampouco pediram para o Brasil fazer movimento em produtos industriais para juntos pressionarem os europeus em agricultura, afirmou o embaixador. O Brasil, contudo, vem preparando uma posição na área industrial. Mas uma coisa é clara: o país recusa a demanda da UE de aceitar uma fórmula de redução tarifaria em produtos industriais com coeficiente 10 tanto para países ricos como emergentes. Nesse caso, o corte nas tarifas consolidadas brasileiras seria de 75%. O resultado é que, das 8,5 mil linhas tarifárias do país, 6 mil teriam corte de alíquotas. Além de cobrar concessões do Brasil em produtos industriais, a UE ontem cobrou dos EUA mais ambição no corte de subsídios agrícolas. Os europeus sugeriram aos americanos aumentar de 53% para 60% sua proposta de redução no conjunto dos subsídios internos, e não apenas da "caixa amarela" (subsídios que mais distorcem o comércio, incluindo garantia de preço). O representante comercial dos EUA (que tem status de ministro), Robert Portman, diz que será difícil ter uma reunião ministerial bem-sucedida da OMC em Hong Kong se não houver avanço até a semana que vem, especialmente em Londres. Na terça e quarta haverá novas reuniões em Genebra. Uma fonte do USTR disse que "se os países em desenvolvimento apresentassem uma oferta, certamente ajudaria no progresso da Rodada". Numa entrevista a jornais latinoamericanos antes de embarcar para a Cúpula das Américas, em Mar del Plata, o presidente George Bush disse que estava "ansioso para conversar com todos os amigos [da região] sobre a Rodada Doha, particularmente com o presidente Lula". Para ele, Lula tem tido um papel muito construtivo, e "ele poderá continuar a ser construtivo para manter a Rodada avançando". Portman deu ontem uma entrevista coletiva para falar de um acordo na área de produtos industriais. Foram eliminadas tarifas nos Estados Unidos, Japão, Coréia e Taiwan para um produto específico de semicondutores - circuitos integrados com multi-chips, usados na fabricação de computadores de mão (palmtops), telefones celulares e outros produtos eletrônicos. Hoje a tarifa máxima para o produto é de 8% na Coréia e 4% na União Européia. A tarifa americana é de 2,6%. Cerca de US$ 1 bilhão de exportações americanas do produto serão beneficiadas. O representante americano disse que o acordo "é consistente com as negociações da rodada de Doha, e nos ajuda nas discussões relativas a tarifas para produtos não agrícolas [NAMA]". Pelo acordo fechado ontem, os países signatários comprometem-se a colaborar nos grupos de negociação buscando atingir tarifas menores para os produtos em questão. No depoimento ao comitê de agricultura do Congresso, Portman afirmou que "se não houver acordo [em agricultura] até a semana que vem (...) vai ser muito difícil fechar a tempo as negociações em outras áreas como serviços e acesso a mercados em produtos não agrícolas. Estamos sob pressão e em contagem regressiva".