Título: Mercosul não quer definir data para retomar debate sobre Alca
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2005, Brasil, p. A5

Relações externas Reunião prévia à Cúpula das Américas acaba em impasse

O Brasil e os outros países do Mercosul, junto com a Venezuela, se negaram ontem a aceitar um compromisso com a retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o que fez com que as reuniões prévias à IV Cúpula das Américas, que se realiza hoje e amanhã na cidade argentina de Mar del Plata, terminassem com um impasse. A grande maioria dos países presentes - 28 de um total de 34 participantes da Cúpula - é favorável a que a declaração final da reunião estabeleça abril de 2006 como data-limite para a realização de um encontro ministerial visando a retomada do diálogo da Alca. A proposta do Mercosul é fazer uma declaração defendendo a integração econômica e a necessidade de liberalização comercial, mas sem compromisso de data com a Alca. A posição venezuelana é mais extrema, rejeitando apoio a qualquer declaração favorável à criação da área de livre comércio. A ausência de um acordo fez com que a tarefa de conseguir um consenso fosse transferida aos presidentes, que começaram a chegar ontem a Mar del Plata. Negociadores consideravam que, diante disso, as possibilidades para a redação final são de que a referência à Alca seja retirada da declaração ou que se aprove o texto sugerido pelo Mercosul, com uma referência vaga à Alca, cenário em que a Venezuela assinaria o documento explicitando sua oposição a esse ponto. A outra proposta, que foi feita pelo México com o apoio da maioria dos países, não será aceita pelo Mercosul, segundo um dos negociadores brasileiros. O funcionário admitiu que a posição pode resultar em isolamento do Brasil e de seus parceiros, mas disse que esse isolamento não seria necessariamente negativo, porque serviria para marcar a posição defendida pelo bloco. O governo americano está tentando usar a reunião de Mar del Plata para ressuscitar as negociações da Alca, que estão estancadas desde o início do ano passado devido a diferenças entre o Mercosul e o resto dos países do hemisfério. Do ponto de vista do Brasil, o maior problema é a intenção dos EUA de incluir no acordo cláusulas de proteção à propriedade industrial e intelectual e mecanismos antidumping. Ao mesmo tempo, os EUA têm dado poucos sinais de estar dispostos a abrir seu mercado aos produtos agrícolas do Mercosul, condicionando as concessões que eventualmente venha a fazer nessa área ao resultado da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Justamente por isso, o Brasil e o Mercosul acham que não é possível assumir um compromisso com a Alca antes de definida a situação no âmbito multilateral, o que pode acontecer na reunião da OMC em dezembro em Hong Kong. O esforço dos EUA em incluir a Alca na pauta da reunião e a oposição férrea da Venezuela à idéia devem acabar fazendo com que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, consiga disputar o protagonismo da reunião com o presidente dos EUA, George W. Bush. Cercado de um fortíssimo esquema de segurança, Bush chegaria ontem a Mar del Plata e Chávez deve desembarcar na cidade na madrugada de hoje. Além de participar da cúpula de presidentes, o venezuelano também deve discursar na chamada "anticúpula", reunião organizada por grupos de esquerda, cujo mote principal é a oposição à Alca. O ex-jogador de futebol Diego Maradona deve encabeçar hoje o principal evento da cúpula paralela, uma passeata repudiando a presença do presidente americano em solo argentino. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve chegar a Mar del Plata no início da tarde de hoje. Segundo fontes do governo brasileiro, o discurso de Lula na reunião não deve fazer referência ao debate da Alca, mas concentrar-se no tema do encontro - "criar trabalho para combater a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática".