Título: CPI encontra indício de uso de dinheiro público
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2005, Política, p. A7

Crise Valerioduto teria recebido recursos do Banco do Brasil através de fundo emissor da Visanet

A CPI Mista dos Correios encontrou o primeiro elo que comprovaria a utilização de dinheiro público, no caso do Banco do Brasil, no esquema operado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza para abastecer as contas do PT. Além de fortalecer a tese dos parlamentares - investigada desde a instauração da CPI - de que os empréstimos feitos por Valério ao PT estão inseridos numa teia de operações financeiras atípicas e irregulares, trata-se da primeira descoberta concreta em relação à origem do dinheiro. Ex-dirigentes do BB, ligados ao PT ou não, entre eles Henrique Pizzolato (ex-diretor de Marketing), serão reconvocados a prestar depoimento e poderão ser indiciados por peculato e corrupção, segundo informou o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Ele classificou a operação de "um engenhoso esquema industriado para se apropriar de dinheiro público". Auditoria realizada pelo próprio BB nos contratos publicitários apontou que foram feitas antecipações de pagamento do banco à DNA Propaganda em 2003 e 2004, vindos do aporte financeiro feito pelo banco no Fundo Emissor da Visanet, no total de R$ 73.851.356,18. Além de um banco público pagar antecipadamente a uma única agência de publicidade, a atual diretoria de marketing do BB confirmou ontem à CPI que a DNA recebeu R$ 9,1 milhões em 2004 sem que tivesse prestado serviços correspondentes. Em nota, o BB informou que tomou as medidas judiciais cabíveis para receber da agência. As regras do BB para pagamento de serviços publicitários mudaram em setembro de 2004. Em 14 de julho deste ano, Henrique Pizzolato aposentou-se e deixou o BB. O BB, como outras instituições financeiras, é acionista da Visanet. O banco é responsável por autorizações de repasses a agências de publicidade. Nos anos de 2003 e 2004, o BB passou a autorizar os repasses apenas para a DNA, e antecipados. A CPI conseguiu rastrear toda a operação. A Visanet repassou, por ordem do BB, R$ 35 milhões à DNA em março de 2004. Três dias depois, a DNA aplicou R$ 34.867.000,00 no próprio BB, em fundo DI. Um mês depois, a DNA faz uma transferência de aproximadamente R$ 10 milhões (via TED) para o BMG e aplica esses recursos em CDB. Dois dias depois, o BMG concede empréstimo no mesmo valor à empresa do sócio de Marcos Valério (Rogério Tolentino e Associados Ltda), cuja garantia de aval é a aplicação financeira feita em CDB. Ou seja, Marcos Valério teria usado o dinheiro do BB (para o qual não há prestação de serviço como contrapartida) e repassado ao PT em forma de empréstimo, feito no BMG. "Sempre houve a exigência para que apresentássemos a origem dos recursos. Alguma coisa nesse sentido começa a aparecer", concluiu Osmar Serraglio. Segundo o relator, está claro que foi montada uma "engenharia inteligente" e proposital para dificultar a identificação da origem do dinheiro. Segundo ele, há claros indícios de que Pizzolato ajudou a desviar dinheiro público e, portanto, poderá ser indiciado. Três outros funcionários do BB que assinam a nota técnica autorizando antecipação de pagamento à DNA Propaganda, o diretor Fernando Barbosa de Oliveira e os gerentes Cláudio de Castro Vasconcelos e Douglas Macedo serão chamados a depor. O gerente de Divisão, Léo Batista dos Santos, que assina a ordem de pagamento, também. O relator disse que a comissão investigará se os recursos aplicados foram exclusivamente do BB ou compartilhados. Em 2003 foi realizado um esquema semelhante, com antecipação de pagamento de R$ 23,3 milhões da Visanet para a DNA Propaganda, mas a CPI não tem nenhuma confirmação se parte desse recurso também não foi utilizado em prestação de serviço, como no ano seguinte. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), que conversou com dirigentes do BB ontem, disse que a atual diretoria de Marketing alega que esse tipo de adiantamento a uma agência de publicidade se justificaria apenas se houvesse compra antecipada de mídia, com desconto. "O fato é que essa compra antecipada não ocorreu". Serraglio lembrou que a CPI sempre alertou para o fato de os bancos que emprestaram dinheiro a Valério não terem se empenhado em executar judicialmente a cobrança. "A falta de interesse dos bancos em resgatar o valor dos empréstimos nos mostrava a irrealidade dessas operações", concluiu o relator. Segundo Serraglio, se ficar comprovado o envolvimento de dirigentes partidários e funcionários do governo ao longo de toda a operação financeira, todos os envolvidos serão indiciados. Ele disse que se ficar comprovada qualquer ligação do ex-ministro Luiz Gushiken no esquema (que era responsável por todo o setor de comunicação do governo), ele também poderá responder por crime de peculato. O sub-relator de Finanças da CPI, Gustavo Fruet (PSDB-PR), espera a conclusão da auditoria do BB para assegurar que o dinheiro público foi desviado para o PT, mas admite que as evidências apontam para essa conclusão. "Se houver a comprovação de que o pagamento foi antecipado e não houve prestação de serviço de publicidade (pela DNA), coincidindo com aplicação de recursos da agência em títulos no mercado, isso caracteriza uma triangulação", disse Fruet. O deputado entregará a Serraglio, na segunda-feira, um sub-relatório parcial, mostrando a evolução das investigações e o que está inconcluso. As novas descobertas da CPI deixaram dirigentes do BB, BMG e Visanet em estado de alerta. "O BMG não tem absolutamente nada a ver com o que possa ter sido repassado entre uma empresa X ou Y e o governo. O banco não conhece a intimidade da empresa. A DNA fez um empréstimo normal, com avalista. Como não pagou, está sendo executada judicialmente", informou ao Valor Sérgio Bermudes, advogado do BMG.