Título: Telecomunicações: defesa da concorrência e regulação
Autor: Paulo Todescan Mattos
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2005, Opinião, p. A10

A Anatel não deve criar barreiras à entrada de novas empresas ou serviços no setor

A partir de 1998, o Brasil vivenciou grandes mudanças no mercado de telefonia fixa. De 20 milhões de linhas instaladas, passamos para 49 milhões de linhas instaladas, sendo que hoje temos aproximadamente 39 milhões de terminais em serviço. O marco regulatório estabelecido em 1997, a partir da Lei Geral de Telecomunicações, tinha dois objetivos principais, quais sejam: 1) estabelecer condições institucionais de estabilidade regulatória para propiciar investimentos na ampliação e modernização das redes de telefonia fixa, com vistas à universalização de acesso a serviços; e 2) estimular a concorrência entre as operadoras. Hoje, com densidade de aproximadamente 22 telefones para cem habitantes, os investimentos em ampliação e modernização de redes foram realizados com sucesso, apesar de estarmos longe da universalização. Tendo em vista as condições macroeconômicas do país, que impedem o aumento e a distribuição de renda, grande parte dos cidadãos continuam fora da cadeia de consumo de serviços de telecomunicações. Porém, mais do que um desafio regulatório, a universalização de acesso a serviços de telefonia fixa tornou-se parte do desafio de desenvolvimento econômico e social do país. Permanece responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) apenas garantir que as regras do jogo continuem estáveis para manutenção dos investimentos atuais e atração de novos investimentos, caso haja ampliação da base de consumo. Portanto, não faz parte da racionalidade regulatória a adoção de medidas distributivas que visem resolver problemas de renda, como recentemente discutiu-se no caso da cobrança de assinatura básica de serviço de telefonia fixa. Por sua vez, no que diz respeito à competição no segmento de telefonia fixa, constatou-se a baixa eficácia do modelo de duopólio com a criação das "empresas-espelho" (hoje essas empresas respondem por apenas 5% das linhas em serviço), bem como o pequeno interesse no investimento em competição na telefonia local. Mesmo com a flexibilização do modelo de duopólio em 2002 (após a antecipação das metas de universalização), assistimos ao crescimento da competição apenas no mercado de telefonia de longa distância. Do ponto de vista regulatório, à Anatel caberia estimular o desenvolvimento de novas tecnologias, sem criar barreiras legais desnecessárias à entrada de novas empresas ou serviços que possam dinamizar a competição na telefonia fixa. Um bom exemplo de estímulo a novas tecnologias com o objetivo de dinamizar a competitividade no setor é a adoção da tecnologia de voz sobre protocolo de internet (VoIP), que tem revolucionado o tráfego mundial de voz em longa distância. Estima-se que hoje 25% do tráfego de voz mundial seja realizado em redes IP. Análises de mercado apontam que em dez anos o tráfego de telefonia de longa distância será 100% realizado com a tecnologia IP. Além disso, a grande e rápida inovação tecnológica em telefonia móvel (hoje representando aproximadamente 76,6 milhões de unidades) associada à modernização dos serviços de banda larga e à criação de redes sem fio (wireless) demonstram que a competição no setor não está mais limitada à telefonia fixa.

Marco regulatório deve permitir a realização dos ganhos de eficiência decorrentes do processo de inovação tecnológica

A dinâmica competitiva do setor destaca-se especialmente no segmento corporativo de telecomunicações, que tem crescido e já representa aproximadamente um terço da receita no setor. É o segmento mais dinâmico, no qual as novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas e aplicadas. É nesse segmento que a competição tem funcionado como fator indutor da inovação também em matéria de diversificação de serviços. Basta analisar os serviços e opções de soluções tecnológicas hoje ofertados em telefonia móvel, PABXs e tráfego de voz e dados em redes digitais de banda larga para se ter uma percepção da dinâmica do segmento corporativo de telecomunicações no Brasil. Fica cada vez mais claro que a competição, no setor de telecomunicações, tem se caracterizado pela convergência de tecnologias na qual as operadoras de redes de telefonia fixa tendem a se tornar fornecedoras de acesso a meio físico que permite tráfego de voz e dados, na forma de serviços múltiplos. Capacidade de tráfego em redes fixas pode se transformar, assim, em commodity. Modalidades de serviços de telecomunicações, tanto no segmento residencial como no segmento corporativo, passam a competir livremente, tendo as redes fixas como plataformas de tráfego digital. Diante dessas inovações, há cada vez mais necessidade de um marco regulatório que permita a livre concorrência de tecnologias e serviços. Modelos regulatórios que vão além da correção de falhas de mercado, e interferem na dinâmica competitiva de inovação tecnológica, em geral acabam por limitar a concorrência ou criar distorções no mercado. Está parado, no momento, o processo licitatório na Anatel para definição de novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC). A definição do PGMC será estratégica para redefinir a articulação de todo o arcabouço regulatório atualmente existente para diferentes modalidades de serviços regulados que hoje não estão mais adequadas à nova realidade tecnológica e de negócios no setor. Contudo, para além do PGMC, ganha cada vez mais relevância o controle concorrencial de concentrações empresariais horizontais e verticais, bem como o controle de condutas anticoncorrenciais no mercado. Se assumirmos a competição como algo inevitável diante das inovações tecnológicas recentes, o foco de preocupação passa a ser o abuso do poder econômico na imposição de condições comerciais restritivas à concorrência. Problemas de interconexão de redes, restrições ao acesso à capacidade de tráfego, discriminação de preços e recusa de contratação, dentre outros, precisam ser controlados. Nos próximos anos, precisaremos de um marco regulatório que permita a realização de todos os ganhos de eficiência decorrentes do processo de inovação tecnológica que marca o setor de telecomunicações. Ausência de barreiras legais à livre e ampla competição entre serviços, associada ao controle concorrencial de mercados por órgãos antitruste, parece ser o caminho natural. Isso exigirá que a Anatel interfira cada vez menos no mercado e que os órgãos de defesa da concorrência monitorem o mercado de telecomunicações de forma competente.