Título: Price recusa-se a entregar documentos sobre teles
Autor: Catherine Vieira e Nelson Niero
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2005, Empresas &, p. B3

Auditoria Decisão de não cumprir ordem da CVM leva disputa à Justiça

A PricewaterhouseCoopers decidiu ir à Justiça contra a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A auditoria pleiteia o direito de não entregar cópias dos chamados "papéis de trabalho" relativos a serviços prestados para a Telemig Celular e a Tele Norte Celular (Amazônia Celular) em 2004 e 2005. A divergência começou durante as investigações da CVM sobre quatro companhias de capital aberto que foram atingidas por denúncias de despesas eventualmente irregulares em operações com as empresas publicitárias SMP&B e DNA, de Marcos Valério. Além das duas celulares, foram fiscalizadas Usiminas e Brasil Telecom (BrT). Depois de uma primeira investigação nas companhias, a CVM foi às auditorias para examinar mais documentos. No entanto, a Price, apesar de ter mostrado os papéis aos fiscais da autarquia, não quis entregar cópias por considerar que não há respaldo legal para tanto e que isso seria uma quebra do seu dever de fidúcia com os clientes. Os "papéis de trabalho" são considerados documentos sigilosos. Com a recusa, a CVM vem multando a auditoria desde meados de setembro. Com o argumento de que o decreto que garante à autarquia o acesso aos papéis é inconstitucional, a Price obteve inicialmente uma liminar na 16ª Vara da Justiça Federal do Rio, que lhe concedia o direito de não entregar as cópias. Na semana passada, no entanto, a CVM conseguiu, no Tribunal Regional Federal (TRF), um efeito suspensivo da liminar e agora ambas as partes aguardam a apreciação da questão pela turma de desembargadores do TRF, o que deve ocorrer na próxima semana. Na ação em que solicita o mandado de segurança (liminar), a Price afirma que a CVM baseia-se num artigo da Lei das Sociedades Anônimas (6.385/75) que teve nova redação com o decreto 3.995, de 2001, para solicitar as cópias dos "papéis de trabalho". A Price alega que o decreto é inconstitucional. Segundo o advogado Sérgio Bermudes, que defende a Price, a lei prevê apenas que a auditoria mostre os papéis, mas não que entregue cópias. "O decreto é inconstitucional porque estende a lei", diz Bermudes. No documento anexado ao processo, a CVM ressalta que o decreto apenas dá nova redação a um direito que já era assegurado pela Lei das S.A. e está em conformidade com o artigo 84 da emenda constitucional 32 de 2001. O presidente da CVM, Marcelo Trindade, afirma reconhecer o direito da auditoria de ir à Justiça, mas surpreende-se com o fato de a ação ter vindo quase quatro anos depois da mudança da lei de 2001. Ele também critica o fato de a Price continuar se recusando a entregar as cópias. "A liminar foi cassada. Isso é um desrespeito não só à CVM, mas ao próprio Judiciário e ao público investidor brasileiro", diz Trindade, que prefere não se manifestar sobre o mérito da ação, o que, segundo ele, cabe apenas ao Judiciário. "Milhares de brasileiros estão aplicando sua poupança, planejando seu futuro, e confiando em que a CVM terá todos os meios previstos na lei para verificar se os agentes de mercado estão tratando corretamente dessa poupança", diz. O advogado da Price, Sergio Bermudes, afirma que a auditoria não entregou as cópias porque, uma vez que isso ocorra, não há mais como se reverter essa ação e que vai aguardar a avaliação dos desembargadores na próxima semana. O questionamento das auditorias à CVM não é novidade. No passado, a polêmica regra que obriga as companhias a fazer rodízio de auditores e proíbe o auditor de prestar consultorias para o cliente provocou uma reação na Justiça contra a autarquia. O rodízio entrou em vigor no ano passado, mas a discussão sobre o conflito de interesse persiste até hoje. O Valor consultou três advogados de escritórios com reconhecida atuação no mercado de capitais e, na avaliação deles, a CVM teria respaldo para solicitar as cópias dos "papéis de trabalho". Para Irineu de Mula, vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o auditor só pode entregar os papéis com autorização do cliente, do contrário estaria cometendo um crime. "O dever de confidencialidade está nas normas brasileiras de contabilidade e no Código Civil", afirma. Segundo ele, a melhor maneira de resolver essa questão, que não é nova, seria a CVM obrigar as empresas a entregar os papéis. "A CVM, que já pede inúmeras informações para a empresa que abre o capital, poderia incluir mais essa exigência", afirma. Procuradas, a Telemig e a Amazônia Celular informaram, por meio da assessoria de imprensa, que já entregaram todas as informações solicitadas pela CVM e que não têm conhecimento da disputa judicial envolvendo a Price. A Usiminas disse que não comentaria o assunto. A Brasil Telecom não havia se manifestado até o fechamento desta edição. (Colaborou Talita Moreira, de São Paulo)