Título: Unibanco sai do capital da Credicard
Autor: Janes Rocha e Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Finanças, p. C-1
Itaú, Unibanco e Citibank anunciaram ontem o fim da associação entre as três instituições financeiras na maior emissora de cartões de crédito do país, a Credicard, que passou a operar como banco este mês. Pelo acordo, nesta primeira etapa, Citi e Itaú adquirem a parte do Unibanco na joint venture e passam a dividir o controle meio a meio. Cada um dos três bancos tinha 33% do capital da Credicard. O fim da sociedade e a solução a ser adotada haviam sido antecipados pelo Valor em 9 de agosto. Itaú e Citibank irão pagar R$ 768 milhões cada um pelas ações que pertenciam ao Unibanco, incluindo ágio estimado de R$ 720 milhões, calculado pela rentabilidade futura estimada para o Banco Credicard. Cada um dos sócios dará garantia recíproca para provisões adicionais que venham a ser feitas até a data-base da operação, mas fonte envolvida no acordo informou que a expectativa é de haja reversão de provisão. Neste caso, a sobra será dividida entre os três. A costura do novo acordo de acionistas envolveu ainda outras duas empresas do grupo Credicard: a Orbitall, que faz o processamento dos cartões (da Credicard e de instituições como Nossa Caixa e Santander), e a Redecard, responsável pelo relacionamento com lojistas e pela captura e transmissão das transações com cartões da MasterCard, Maestro, RedeShop, Diners Club e Vouchers Alimentação, Refeição e Combustível. Da Orbitall saem o Unibanco e o Citibank. O Itaú passa a deter 100% do capital da empresa de processamento, desembolsando R$ 281 milhões pelas ações dos outros dois sócios (R$ 140,5 milhões para cada um). A Redecard permanece com a mesma composição acionária: cada um dos três bancos com uma participação de 31,94% e a MasterCard, com 4,17% do capital. "Nas negociações, nunca esteve em pauta a venda de qualquer participação na Redecard. A empresa, que financia o lojista, é altamente rentável. Responde por 30% a 40% do lucro gerado pelo grupo Credicard", afirma a fonte. A Credicard e a Orbitall foram avaliados em R$ 4,8 bilhões (US$ 1,54 bilhão), sendo R$ 4,4 bilhões apenas pelo banco. Ao fim da operação, o Itaú desembolsará R$ 1,05 bilhão (R$ 768 milhões na Credicard e R$ 281 milhões na Orbitall); o Citi colocará R$ 627,5 milhões (desembolso de R$ 768 milhões na Credicard e recebimento de R$ 140,5 milhões na Orbitall); e o Unibanco receberá R$ 1,67 bilhão (R$ 1,536 bilhão da Credicard e R$ 140,5 milhões da Orbitall). Segundo o presidente do Itaú, Roberto Setubal, o negócio deverá ser concluído no fim do ano e os pagamentos serão feitos em dinheiro. A operação vai representar para o Unibanco um lucro não operacional, antes de efeitos tributários, de aproximadamente R$ 1,4 bilhão - recurso que será utilizado para "amortização de saldos de ágios" de outras aquisições realizadas pelo Unibanco recentemente, como a compra do HiperCard, a administradora de cartões do grupo Bompreço, comprada do grupo holandês Ahold, em março passado. A disputa pelo HiperCard foi a gota d'água no relacionamento já conturbado entre os sócios da Credicard. O Itaú entrou na disputa junto com o Pão de Açúcar e perdeu. A Credicard tentou entrar na concorrência, mas teve sua iniciativa abortada pelos acionistas. Foi depois do episódio HiperCard que as conversas sobre o fim da sociedade na Credicard se intensificaram. As primeiras reuniões ocorreram no Itaú. Em um determinado momento, executivos do Unibanco teriam pedido para que as conversas fossem transferidas para a sede do Citi. O valor das participações foi definido há mais de seis meses. Só depois disso entraram os advogados. O Citi foi auxiliado pelos escritórios Pinheiro Guimarães e Shearman & Sterling; o Unibanco, por advogados internos e pelo Tozzini Freire; e o Itaú, pelo pessoal interno e pelo Milbank & Tweed. Os documentos finais da operação foram assinados no domingo, no escritório do Shaerman & Sterling. O fato de a Credicard passar a operar como banco a partir deste mês contribuiu para acelerar o fim das conversas. "Como banco, o processo iria ficar muito mais complicado, com a necessidade de autorizações do Banco Central etc", explicou fonte envolvida. Segundo o Valor apurou, embora Citi e Itaú permaneçam como sócios no capital do Banco Credicard, com 50% cada, já há uma segunda fase delineada, na qual a base de cartões é dividida entre ambos. O Citi deve ficar com os cartões Diners, bandeira que a instituição emite no mundo todo. O Itaú, que durante muito tempo manteve a emissão de cartões para seus correntistas sob a responsabilidade da Credicard, quer recuperar essa base de clientes. A expectativa é de que a marca Credicard - um dos ativos mais valiosos da empresa - fique com o Citi. Oficialmente, fontes das duas instituições não confirmam a informação. O Banco Credicard terá um conselho com participação de membros das duas instituições. A presidência - hoje sob responsabilidade do executivo Roberto Lima - se reportará a esse conselho. No mercado, comenta-se que Hélio Lima, ex-presidente da Prever (previdência privada) e da American Express e hoje no Itaú, passará a ter participação atuante na Credicard. Não está claro, porém, se ele ocupará função executiva na instituição. Para Gustavo Marin, presidente do Citi, a transação do Banco Credicard representa o primeiro investimento expressivo do banco no Brasil nos últimos anos. "O aumento no capital na Credicard faz parte da nossa estratégia de expandir a presença no varejo brasileiro. É a nossa prioridade número um", explicou Marin, ressaltando que este foi o caminho encontrado para a expansão da base de cartões da instituição. O Citi é o que tem a menor base entre os três sócios: 600 mil clientes, que detêm 900 mil plásticos. O Unibanco tem 7,5 milhões e o Itaú, 6,2 milhões. Gustavo Marin afirmou que a reestruturação do Credicard não afeta em nada os clientes e funcionários, mas que a estratégia de atuação será mudada. O Citi era responsável pela gestão do Credicard e pela contratação direta de seus principais executivos. Para Setubal, do Itaú, o movimento fortalece e amplia a presença do banco no mercado de cartões. Além disso, o Credicard passará a ser mais um canal de distribuição de produtos de ambos. Segundo ele, a compra da Orbitall também faz sentido para o Itaú, que vem investindo na ampliação de sua presença no varejo. Em julho, pagou R$ 455 milhões para criar uma nova financeira com o grupo Pão de Açúcar. Com base de 6,261 milhões de cartões, o Itaú preferiu ter sua própria processadora de cartões que, de acordo com Setubal, continua a ser independente e a prestar serviços para outras companhias e bancos. Pedro Moreira Salles, presidente do Unibanco, explicou que, apesar de a Credicard ser líder de mercado e uma empresa lucrativa, não fazia mais sentido dentro da estratégia do banco, que desde 1995, com a compra do Nacional, investia em uma operação própria de cartões. Segundo o Unibanco, a contribuição da Credicard no lucro com operações de crédito ao consumidor caiu de 48% em 2000 para 15% este ano e a participação no lucro total caiu de 20% para 6%.