Título: Cineastas começaram com projetor emprestado
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Empresas, p. B-2

Qual é a responsabilidade social do cinema brasileiro? "Precisamos fazer com que os filmes que nós realizamos com leis de incentivo cheguem às populações carentes", responde o jornalista, cineasta e roteirista Luís Bolognesi, autor do projeto Cine Tela Brasil, em parceria com a mulher, a cineasta Laís Bodanzky. Os dois foram responsáveis por um dos melhores filmes do cinema brasileiro nos últimos anos, o premiado "Bicho de Sete Cabeças", que, sublinhe-se, teve excelente desempenho no circuito comercial, conquistando uma bilheteria de mais 500 mil espectadores. Bolognesi comenta que cerca de 92% dos municípios brasileiros não têm cinema. "Nossa intenção é distribuir bens culturais para populações que não têm acesso", diz. "Os filmes brasileiros são feitos com renúncia fiscal, mas eles só são acessíveis para as classes A e B." O Cine Tela Brasil dispõe de uma tenda de 15 metros de profundidade por 12 metros de largura, com ar refrigerado, uma tela de 7 metros e capacidade para 225 pessoas, onde serão exibidos filmes brasileiros de graça para o público infantil e adulto. A sala de projeção fica dentro de um caminhão. Nessa primeira fase, que contempla os municípios da AutoBAn, a expectativa de público é de 67.500 pessoas. "Nossa expectativa é de casa cheia. Estamos trabalhando para isso", ressalta Laís Bodanzky. Uma equipe chega antes às cidades para fazer a divulgação, espalhar cartazes e fazer parceria com as prefeituras. Serão quatro sessões por dia. Duas para a criançada e duas para o público adulto, durante três dias em cada uma das 25 cidades, o que deverá totalizar cerca de 2.700 pessoas por cidade. Os filmes escolhidos para essa primeira fase são "Lisbela e o Prisioneiro", de Guel Arraes, e "Castelo Rá-Tim-Bum", de Cao Hamburguer. "Vamos exibir filmes de entretenimento que levem lazer e diversão para as cidades, mas também uma reflexão inteligente sobre o nosso país", diz Luís Bolognesi. Laís Bodanzky comenta que outro objetivo do projeto é a formação de platéia. "O cinema brasileiro está na moda. Virou uma grife. É um dos cursos mais procurados no vestibular, mas precisamos continuar conquistando novos públicos." O projeto do Cine Tela Brasil começou a nascer quando Laís Bodanzky e Luís Bolognesi eram curta-metragistas e não tinham local para exibir seus filmes. "Começamos a exibir os nossos curtas e depois decidimos exibir também filmes de outras pessoas", conta Laís. "Conseguimos equipamentos e pensamos: 'Vamos exibir pra quem?' Resolvemos fugir do público de mostras nacionais e internacionais de curtas. Caímos num público que nem tem conhecimento do cinema brasileiro", diz ela. "Foi um tremendo sucesso na periferia de São Paulo e também nas projeções que a gente fazia ao ar livre no centro da cidade, em locais como a Praça da Sé e o Largo de Santa Cecília", diz Bolognesi. Depois da Grande São Paulo, com um projetor emprestado, foram para o interior do país. Durante seis meses, viajaram por São Paulo, Rio, Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Pará. Acrescentaram um gerador ao equipamento de exibição, pois muitas cidades não tinham luz elétrica. Eles começaram a filmar os debates depois das sessões, com o intuito de fazer um "making off" das discussões para depois mostrar às pessoas que acreditavam que as populações de baixa renda não gostam de filmes brasileiros. As filmagens acabaram gerando o documentário "Cine Mambembe".