Título: Bush e Lula minimizam divergências comerciais
Autor: Sergio Leo e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2005, Brasil, p. A4

Relações exteriores Líder americano diz que também falta apoio à Alca nos EUA

Repleta de elogios e agradecimentos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira visita oficial do presidente George Bush ao Brasil foi marcada também pelo esforço dos dois governantes para minimizar as divergências no campo comercial. Bush insistiu na necessidade de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas disse reconhecer o direito de Lula de recusar um acordo que não atenda aos interesses da população. O governo brasileiro acolheu com boa vontade as explicações da equipe de Bush sobre os esforços que os Estados Unidos têm feito para cumprir as determinações da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, a pedido do Brasil, condenou como ilegais os subsídios ao algodão americano. "Ele [Lula] tem de ser convencido, assim como o povo da América [os Estados Unidos] tem de ser convencido de que um acordo comercial em nosso hemisfério é bom para os empregos, para a qualidade de vida", discursou Bush, ao lado do presidente brasileiro, ao falar da Alca, reconhecendo pela primeira vez que também é forte a resistência ao acordo nos próprios Estados Unidos, onde o Congresso tem recebido com crescente desconforto as iniciativas comerciais da Casa Branca. Diplomatas americanos se diziam ontem satisfeitos por terem conseguido sair da Cúpula das Américas, na Argentina, com uma declaração que evita o abandono do projeto da Alca. Um dia após ter deixado o balenário argentino de Mar del Plata frustrado - em grande parte pela resistência do Mercosul - na intenção de obter uma forte declaração a favor da Alca, Bush disse "agradecer" a Lula pela liderança do brasileiro na busca de um "espírito justo" no comércio internacional. "Podemos ter comércio livre e justo sem perder nossas identidades nacionais, sem prejudicar pequenas empresas e os emrpesários", disse. "É do nosso interesse que trabalhemos juntos numa agenda de comércio. Eu a chamo FTAA, vocês se referem a ela como Alca", comentou Bush, que relatou sua conversa com Lula: "O presidente [Lula] disse: olha, vamos trabalhar juntos na Rodada Doha e ver o que resultará disso, e continuamos trabalhando na Alca." No comunicado conjunto dos dois presidentes, ambos anunciaram a decisão de atuar para garantir sucesso na Rodada Doha. Também se comprometeram a continuar as negociações da Alca, mas, a pedido dos brasileiros, o comunicado lembra que essa retomada se dará de acordo com as resoluções tomadas em Miami, em 2003, pelas quais os países adotarão regras genéricas comuns, deixando para acordos bilaterais o aprofundamento de temas de interesse dos EUA como investimentos e proteção à propriedade intelectual. O presidente americano insistiu que os acordos de livre comércio no continente são indispensáveis para que Brasil e EUA enfrentem a competição de países como a Índia e a China. Lula ouviu com expressão séria as referências a dois dos principais parceiros do Brasil no G-20, o grupo de países em desenvolvimento formado para se opor às propostas dos países ricos sobre agricultura, na OMC. Bush disse concordar com Lula sobre a necessidade de ter avanços na Rodada Doha na OMC, e disse ter ouvido "alto e claramente" a advertência do brasileiro, de que será difícil ter avanços nessa negociação enquanto alguns países se recusarem a fazer concessões para liberalizar o comércio de produtos agrícolas. Por isso, disse Bush, o governo americano anunciou o compromisso "ousado" de reduzir subsídios que distorcem o comércio agrícola, se parceiros como Europa e Japão fizerem o mesmo. Mais tarde, em discurso para convidados, pouco antes de deixar o Brasil, Bush citou as críticas de Lula aos subsídios agrícolas que distorcem o comércio. "Concordo com o presidente Lula", disse Bush, que pressionou o presidente brasileiro a adotar também uma "agenda ambiciosa" para redução de barreiras ao comércio de produtos industriais e serviços. "Líderes que querem avançar em termos de subsídios agrícolas têm de exercer influência para que haja avanços em todas as frentes na Rodada Doha", discursou Bush. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, elogiou as iniciativas do governo Bush para atender às queixas do Brasil na OMC contra os subsídios americanos ao algodão. "Os EUA estão tomando as medidas; não talvez na extensão que desejamos tomar, mas as coisas estão se movendo, há um desejo de se modificar", disse Amorim. Ele informou que Lula abordou o assunto com Bush e ouviu que o presidente americano pretende cortar ainda mais os subsídios agrícolas locais na próxima Lei Agrícola que enviará em 2007 ao Congresso dos EUA. Os EUA fizerm "um movimento importante" com o anúncio da intenção de cortar subsídios para a negociação da OMC, elogiou o ministro. Apesar de algumas referências às divergências entre os dois governos, Bush e Lula adotaram um tom francamente amistoso, nos discursos que se seguiram ao encontro privado, de uma hora e meia, três vezes mais longo que o previsto, o que os obrigou a cancelar o encontro ampliado, com ministros, que teriam, antes do churrasco oferecido pelo brasileiro ao visitante. Bush repetiu em público elogios à liderança de Lula que havia feito a portas fechadas, disse estar impressionado com as reformas econômicas no país e afirmou que o governo vem fazendo um bom trabalho na luta contra a inflação com crescimento do emprego. Lula disse ver "com entusiasmo" a inclusão do Brasil "entre os países com os quais os Estados Unidos mantêm diálogo estratégico e privilegiado", e disse compartilhar com Bush o otimismo sobre a relação entre os dois países. "Quando de minha eleição para a presidência, não faltaram alguns para prever a deterioração das relações entre Brasil e Estados Unidos. Equivocaram-se redondamente" comemorou Lula, para quem o diálogo político entre os dois "ganhou qualidade superior". As divergências entre os dois governos têm sido tratadas sem "sobressaltos ou confrontação", comemorou o presidente. Para mostrar que está controlada a crise da aftosa, Lula, segundo o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, serviu carne de Mato Grosso do Sul no churrasco para Bush, na Granja do Torto, após mostrar ao americano a localização, no mapa, do estado onde foram encontrados focos da doença.