Título: Cúpula das Américas termina em desacordo sobre Alca
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2005, Brasil, p. A5

A Cúpula das Américas, realizada durante o fim de semana na Argentina, explicitou as diferenças entre os países da região em relação ao estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e aproximou o Mercosul da Venezuela. O bloco liderado pelo Brasil e o país governado por Hugo Chávez decidiram unificar posturas e conseguiram manter as negociações comerciais hemisféricas paralisadas. A reunião, concluída no sábado em Mar del Plata, tinha como tema a criação de trabalho como instrumento de combate à pobreza e fortalecimento da democracia, mas as discussões acabaram ficando concentradas na Alca. De um lado, a Venezuela, que esperava "sepultar" o projeto, e do outro os EUA, que tentavam usar a reunião para "ressuscitar" as negociações. A outra posição era a do Mercosul, sem uma rejeição conceitual, mas negando-se a retomar o diálogo pelo menos até a definição da Rodada Doha da OMC. A impossibilidade de conciliar essas posições fez com que a reunião fosse concluída com uma declaração em que dois grupos de países expressam visões antagônicas sobre a Alca. Um grupo de 29 nações, liderado pelos EUA, se compromete a retomar as negociações ainda no primeiro semestre do ano que vem, enquanto que Mercosul e Venezuela afirmam que "ainda não estão dadas as condições para alcançar um acordo de livre comércio equilibrado e eqüitativo", mencionando a necessidade de eliminar subsídios e contemplar assimetrias entre as economias do continente, e sem assumir qualquer compromisso com a continuidade das negociações. Para que as duas visões pudessem ser incluídas no mesmo documento, fato inédito em outras reuniões hemisféricas, os dois grupos aceitaram participar de uma reunião de negociadores patrocinada pela Colômbia que será marcada depois do encontro da OMC em Hong Kong, no mês que vem. Segundo o Valor apurou, a aproximação do Mercosul com a Venezuela ocorreu por pressão da Argentina, cuja visão em relação à Alca seria mais próxima da de Chávez. O Brasil estaria disposto a assumir um compromisso (embora sem data) com a retomada das negociações, mas aderiu aos termos desejados pela Argentina para não haver um "racha" no Mercosul. Para poder ter a adesão venezuelana, o parágrafo sequer menciona o termo Alca. Sem um documento que pudesse ser aceito por todos os participantes, os anfitriões foram obrigados a fazer uma verdadeira ginástica diplomática com seus discursos para não admitir o fracasso da cúpula. Ao mesmo tempo, a Argentina também foi acusada de esforçar-se por boicotar sua própria reunião, apoiando com recursos oficiais a "anti-cúpula" que teve como estrelas o próprio Chávez e o ex-jogador de futebol Diego Maradona. "Concordamos que discordamos", disse o chanceler argentino, Rafael Bielsa, durante a entrevista coletiva de encerramento da cúpula, que atrasou mais de cinco horas devido às dificuldades de um acordo. "A Alca não é um termo religioso, como Belzebu e Satanás", ironizou Bielsa sobre a ausência do vocábulo no texto apoiado pelo Mercosul e Venezuela. Mas a religião, em sentido oposto, foi usada pelo subsecretário de Estado americano para o hemisfério, Thomas Shannon. "Como Lázaro, a Alca ressuscitou", disse o funcionário de Washington, proclamando o fracasso de Chávez em "enterrar" a iniciativa. O venezuelano, porém, cantou vitória e disse que ele e os quatro presidentes do Mercosul foram "os cinco mosqueteiros". Mesmo com o estancamento da Alca, os EUA e seus aliados mais próximos na região tentaram mostrar que a liberalização comercial do continente vai ocorrer mais cedo ou mais tarde, com ou sem a participação do bloco liderado pelo Brasil. O porta-voz mais eloqüente dessa visão foi o presidente mexicano, Vicente Fox, que lançou a proposta de que os 29 países dispostos a comprometer-se com a formação da Alca levem o processo em frente sem o Mercosul. Depois de divulgar a iniciativa, Fox paradoxalmente aproveitou para reiterar o interesse de que o México integre o bloco comercial, e desta vez estabeleceu o ano que vem como meta para que isso aconteça. Não explicou como poderá conciliar a entrada de seu país no bloco sul-americano com a participação no Nafta, o acordo de livre comércio com Canadá e EUA. Outro que considerou inevitável o avanço do livre comércio no continente foi o presidente salvadorenho, Julio Saca, que acredita que se não houver avanço em bloco, a integração pode ocorrer por meio de tratados bilaterais. A ministra de Economia de seu país, Yolanda de Gavidia, afirmou que a Santista, além de outra grande empresa têxtil e um fabricante de calçados estão realizando negociações com seu governo para usar El Salvador como plataforma de exportação aos EUA.