Título: CPMI deixa holofotes e chega perto das provas
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Fonte: Valor Econômico, 07/11/2005, Opinião, p. A10

Longe dos holofotes, a CPMI dos Correios, enfim, pode ter achado um rumo. Encerrado o "reality show" dos depoimentos públicos e acareações, a comissão se concentra no realmente interessa: os documentos provenientes de quebras de sigilo bancário e fiscal dos envolvidos nas denúncias de corrupção e de financiamento ilegal de campanha do PT e partidos aliados. O rastreamento das contas das empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza e a auditoria feita pelo Banco do Brasil nos contratos com a DNA Propaganda podem ter desvendado uma operação típica de corrupção seguida de lavagem de dinheiro. Pela primeira vez as investigações apontariam uma fonte de financiamento do caixa petista, que movimentou grandes quantias desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e irrigou fartamente os aliados. Segundo o relator da CPMI, Osmar Serraglio (PMDB-PR), a Visanet, administradora de cartões da qual o Banco do Brasil é acionista, repassou à DNA Propaganda R$ 73.851.356,18, cota do BB no Fundo de Incentivo Visanet, antes da aprovação de qualquer campanha publicitária. As ordens de antecipação de pagamento foram assinadas pelo então diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato, que foi o braço direito do ex-tesoureiro Delúbio Soares na missão de arrecadar dinheiro para a campanha de Lula. No maior dos repasses à DNA, de R$ 35 milhões, em março de 2004, estaria a maior evidência da triangulação. Parte desse dinheiro (R$ 10 milhões) foi transferida pela DNA para o BMG e lá virou CDBs do banco - que, dois dias depois, fez um empréstimo no mesmo valor à Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda, da qual Marcos Valério também é sócio, tendo como garantia os CDBs da DNA. Esse seria um dos "empréstimos" ao PT. Essa descoberta, questionada pelo BB, poderia derrubar, em definitivo, a simplória versão de que um empresário bonzinho tomou vários empréstimos em seu nome e os repassou ao PT; e de que bancos fizeram a benemerência de engolir prejuízos porque o PT não pagou ao empresário, que por sua vez não quitou as dívidas bancárias. Tornaria risível também a versão de que Delúbio e Marcos Valério montaram um esquema de captação de dinheiro para o PT sem que ninguém soubesse. Afinal, reapareceu em cena mais um personagem, um petista de carreira sindical, como Lula, Delúbio e o secretário Luiz Gushiken. A "Folha de S. Paulo" de sexta-feira reproduz a opinião de "um dos principais assessores do Palácio", de que é provável que apenas três pessoas - Marcos Valério, Delúbio e Pizzolato - tenham sido os únicos responsáveis pela operação. A "opinião" do assessor antecipa o que será a defesa do governo e do PT: ninguém mais sabia ou percebeu que havia muito mais dinheiro circulando no partido do que era possível arrecadar em contribuições de filiados. Os fatos podem desmontar essa versão e transformar um crime fiscal, de caixa 2, em corrupção. Isso é grave - tão grave que fica difícil entender porque a oposição insiste em achar um "mensalão". Pagamento mensal a aliados não é crime maior do que partilhar com eles dinheiro desviado da administração pública. O que está em questão, afinal, não é a regularidade do repasse, mas a procedência do dinheiro. E não apenas isso, mas o loteamento de cargos que permitiu a aliados reforçarem sem intermediários seus caixas, como aconteceu no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e nos Correios, que estavam nas mãos do PTB. Para esclarecer o esquema de irrigação do caixa do PT, é fundamental que a CPMI tenha acesso, agora, à movimentação bancária do publicitário Duda Mendonça no exterior. Ele confessou ter recebido R$ 10 milhões de dívidas de campanha de 2002 em uma conta fora do país. Estão sob o comando do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dois dos três órgãos que tiveram acesso a essas informações: a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos Ilícitos (DRCI). O Departamento negociou com os EUA o que seria um acordo restritivo, ou seja, as informações só podem ser compartilhadas por autoridades policiais e judiciárias. Seja qual for a dificuldade de ordem prática de acesso da CPMI à documentação, o empenho do Ministério da Justiça para que isso aconteça é importante para todos, inclusive para o próprio governo. Negar esses dados à CPMI é deixar na gaveta do ministério provas que podem incriminar ou absolver o PT do presidente Lula.