Título: Estados disciplinados
Autor: Gonçalves, Marcone
Fonte: Correio Braziliense, 03/05/2010, Economia, p. 11

Lei limitando despesa resulta em queda na dívida e mais receita

Nos últimos 10 anos, os governadores se submeteram ao rigor e à disciplina impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Independentemente do partido a que pertenciam, os chefes dos executivos tiveram suas contas monitoradas por equipes enviadas regularmente de Brasília, de olho em cada gasto relevante do estado.

De acordo com o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, a LRF representou um avanço importante ao estabelecer a ideia de que existe limite para as ¿boas intenções¿, que se traduzem em gasto e endividamento. ¿Mas não creio que isso tenho domado os instintos juscelinistas que habitam o corpo de todos os parlamentares brasileiros¿, assinala o economista que teve um papel importante na fase de elaboração da lei.

O fato é que os dados divulgados pelo Tesouro Nacional associam a melhoria da gestão fiscal no Brasil aos estados. A relação entre a dívida e a arrecadação dessas unidades federativas não parou de cair no período, marcado por duas eleições gerais, três municipais e, mais recentemente, uma crise econômica internacional sem precedentes depois da II Guerra Mundial.

Exemplo Caso emblemático é o de Mato Grosso, onde a dívida pública em 2000 atingia R$ 4,3 bilhões, valor correspondente a duas vezes e meia o total da arrecadação. De lá para cá, houve uma queda de 20% no total da dívida, ao passo que as receitas aumentaram 270%. Hoje, a dívida mato-grossense equivale à metade da receita anual.

Mesmo nos grandes estados, com volumes de dívida enormes e estruturas fiscais muito mais complexas, os resultados são marcantes. Em São Paulo, as dívidas pularam de R$ 62,3 bilhões para R$ 130,2 bilhões nos últimos 10 anos. A receita quase triplicou, passando de R$ 32,3 bilhões para R$ 86,6 bilhões. Mesmo com as contas sob controle, São Paulo ainda deve o equivalente a uma vez e meia a sua receita.

Rio de Janeiro e Minas Gerais enfrentaram situações igualmente complicadas. Os mineiros aplicaram o ¿choque de gestão¿ e o resultado foi que a dívida, que chegou a 2,6 vezes o valor das receitas em 2002, corresponde hoje a 1,79. O exemplo que destoa é o do Rio Grande do Sul, estado marcado pela descontinuidade administrativa, sem reeleger um mesmo partido para governar. A relação dívida e receita que era de quase três vezes (2,66) no início da década, está hoje mais baixa, mas é o pior desempenho entre todos (2,2).

No caso do Distrito Federal, a questão do endividamento não chegou a se tornar uma questão. Isso porque os principais gastos ¿ saúde, educação e segurança ¿ são bancados pela União. A dívida, que não representa nem 17% da arrecadação, chegou no seu pior momento em 2002, a 40% da receita.

No governo Lula, cujo partido votou contra a LRF, os resultados dos estados são vistos com reservas. Em entrevista ao Correio, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, assinalou que a lei foi importante, mas o que fez a diferença foi a gestão econômica do governo. Internamente, fontes do Ministério da Fazenda associam a melhora das contas públicas ao aumento da atividade econômica, que fez as receitas aumentarem de forma consistente.

Berlinda Para Gustavo Franco, ainda falta avançar na questão da responsabilidade fiscal, uma vez que a LRF contribuiu para a disseminação dessa cultura na gestão pública. ¿Creio, todavia, que a população ainda não percebeu como pode ser bom avançar nesse domínio e adquirir mais poder sobre os rumos das finanças públicas¿, afirmou.

Apesar da unanimidade dos políticos e economistas em torno da lei, alguns problemas precisarão ser enfrentados. ¿Particularmente nos estados, onde os três Poderes ainda não se entendem sobre os conceitos da lei, especialmente quanto aos limites para gastos de pessoal¿, afirmou Augustin. Tal situação, segundo ele, vem impedindo a regulamentação e melhorias da lei.

No Judiciário, a lei também é vista como um marco da transparência e da eficácia dos gastos públicos. Para o ministro Gilson Dipp, corregedor nacional, é preciso discutir para o futuro os limites dos gastos. ¿O repasse de 6% do orçamento estadual para o Judiciário é suficiente e condizente com a necessidade de expansão dos serviços da Justiça?¿, questionou, para acrescentar em seguida que, graças à lei, essa discussão agora é séria e concreta.

Creio, todavia, que a população ainda não percebeu como pode ser bom avançar nesse domínio¿ Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central

Ponto a ponto Importância relativa

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, relativiza a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal na melhoria das contas públicas, pois a gestão responsável, argumenta, é feita por quem está à frente da administração e não pelas leis. Responsável pelo acompanhamento das contas dos estados e municípios, Augustin, ex-secretário de Finanças do Rio Grande do Sul, constata o avanço do controle fiscal, mas ressalta que os pequenos municípios, muitas vezes, não tem capacidade para atender as exigências da LRF, nem mesmo a execução de outros programas públicos. Cauteloso, o secretário se recusa a citar bons e maus exemplos da gestão fiscal brasileira, exceção, é claro, para o governo Lula.

Situação fiscal Há uma melhoria significativa da situação fiscal do Brasil, mas isso ocorreu não por causa da lei, mas pela condução na política econômica. A responsabilidade fiscal é um processo de médio e longo prazo e é preciso que alguém gerencie para que isso ocorra da melhor forma. Desde 2003, a relação entre a dívida pública e o PIB, caiu mais de dez pontos, o que mostra que o governo federal conduziu bem a economia, dando à questão fiscal sua devida importância. Com isso, nossos fundamentos estão fortalecidos, temos o reconhecimento da comunidade internacional expresso no grau de investimento dado pelas agências de classificação de risco.

A lei Não devemos encarar as legislações como causadoras das principais mudanças e não é o caso da LRF. A lei é a consolidação de um conjunto de necessidades. Ela estabeleceu um freio de arrumação na situação fiscal do Brasil, mas o processo começou antes disso. O contrato de rolagem da dívida foi cristalizado na LRF. A única coisa realmente nova da lei é o artigo 35, que deixa claro que não pode mais emprestar e que os contratos que existem não podem ser mexidos. Com isso, não foi mais permitido à União auxiliar os estados.

Prejuízo O cidadão que vive sob a gestão de um governante que não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal sofre sérios prejuízos. Ele vai ter menos saúde, menos educação. Temos municípios, por exemplo, que estão em situação financeira tão complicada que não conseguem arranjar um mínimo de contrapartida para levar para a cidade obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Política Entendo que hoje há uma compreensão da questão fiscal. Não atribuo isso à lei, mas a uma prática. Ao longo dos anos a questão foi fortemente melhorada. Não vejo nenhuma relação entre a melhoria do quadro fiscal no Brasil e a qualidade dos nossos políticos. E a gente não precisa ir muito longe para perceber isso.

Prefeituras O despreparo das prefeituras não é um problema da LRF, é um problema real do país. Temos muitos municípios que não tem porte para serem municípios, portanto tendem a não ter capacidade técnica não só para prestar contas, mas também para fazer uma licitação, para prestar um serviço público. Não conseguem tomar um empréstimo, mas também não conseguem gerenciar a educação e o próprio município.

Conselho Gestor O projeto de lei está no Congresso Nacional. O governo tem acompanhado, mas vê enormes dificuldades na relação entre os Poderes nos estados, uma relação bastante conflituosa, onde há dificuldades de compreensão sobre os conceitos da LRF, principalmente no que se refere aos limites de gastos com pessoal.

Mudanças Esperamos a aprovação da lei que retira a punição para os estados quando o descumprimento foi causado por outro Poder, que não o Executivo, pois esse entendimento já está sendo adotado pelo Judiciário. (MG)