Título: País pesquisa grãos para medicamentos
Autor: Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2004, Agronegócios, p. B-10

A produção brasileira de organismos geneticamente modificados com propriedades medicinais, a chamada terceira geração dos transgênicos, está mais perto do que parece de chegar ao mercado. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem prontas variedades de milho enriquecidas com insulina e com o hormônio de crescimento humano HGH, enquanto a Embrapa desenvolve três variedades de soja para a indústria farmacêutica. Elibio Rech, pesquisador da Embrapa, diz que a produção de componentes medicinais em grãos pode custar até 50 vezes menos que a produção convencional, feita em laboratório. E pode se tornar um importante destino para os grãos produzidos no país. Ele diz que o Brasil produz três componentes medicinais em laboratório e importa o resto. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, até setembro o país importou US$ 1,2 bilhão em medicamentos, 15% mais que em igual período de 2003. Há três anos, a Embrapa desenvolve variedades de soja voltadas à indústria farmacêutica, e a expectativa é que elas cheguem ao mercado em até oito anos. Uma das pesquisas, em parceria com a Unicamp, inseriu no DNA da soja o gene humano que induz a produção do HGH. Outro trabalho, realizado com a Universidade de Brasília (UNB), incluiu o Fator 9 (que permite a coagulação sangüínea e que é usado como medicamento para hemofílicos) no gene da soja. Em outra pesquisa, também em parceria com a UNB, foi inserido no DNA da soja o anticorpo humano CD18, capaz de detectar pequena quantidade de células cancerígenas no organismo. "Em geral, o componente é usado em exames de detecção do câncer de mama e, em alguns casos, no tratamento", disse Rech. Nos três casos, a Embrapa produziu sementes em estufas e avalia se as quantidades produzidas nas sementes são suficientes para garantir a produção dos componentes em escala industrial. A idéia é que a produção dessas variedades seja em parceria com indústrias farmacêuticas. Rech não soube informar quanto a Embrapa vem investindo nessas pesquisas. Marcelo Menossi, professor do Departamento de Genética da Unicamp e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), observa que nos EUA as indústrias farmacêuticas já utilizam milho e soja de terceira geração. "O Brasil está bem colocado nessa corrida, mas precisa de uma legislação que permita o plantio e comercialização dessas variedades transgênicas". No Brasil, o primeiro esforço para desenvolver transgênicos de terceira geração partiu da Unicamp, que, em 1987, começou a desenvolver o milho com o hormônio HGH. O trabalho foi concluído em 2000 e está à espera de patenteamento pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Segundo Menossi, o milho já pode ser produzido por empresas, mas ainda não atraiu interessados. A Unicamp também concluiu, em 2002, a criação de uma variedade de milho que produz insulina. O produto também está em fase de patenteamento, mas já tem uma empresa interessada, cujo nome é mantido em sigilo. No Brasil, as pesquisas de transgênicos de terceira geração estão restritas a entidades e universidades públicas. No exterior, as empresas focam as pesquisas em transgênicos de primeira geração (resistentes a doenças, herbicidas ou pragas) ou segunda geração (com componentes que enriquecem nutricionalmente os grãos). A multinacional Monsanto desenvolve nos EUA pesquisas para produzir uma soja isenta de gordura trans e outra enriquecida com ômega 3. Silvia Yokoyama, gerente de assuntos científicos da empresa no Brasil, diz que trabalhos desse tipo no país dependerão de mudanças na legislação. Segundo o International Service for the Acquisition or Agri-Biotech Applications (ISAAA), os países desenvolvidos gastaram US$ 4,4 bilhões em 2002 em biotecnologia. Os países em desenvolvimento aplicaram US$ 220 milhões.