Título: As vagas realmente novas e o bolo
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Brasil, p. A-2

O número de empregos efetivamente novos criados no país até setembro deste ano é de 1,14 milhão e não o 1,67 milhão relacionados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. A diferença - 530 mil a menos - é explicada pelo próprio Ministério do Trabalho. Até setembro, o trabalho de fiscalização obrigou um total de 58.782 empresas a regularizar a situação de 523.679 empregados. Esses trabalhadores estavam empregados, porém sem carteira de trabalho assinada, sem direito a FGTS, 13º salário, recolhimento e benefícios da Previdência Social, entre outros. A LCA Consultores chamou a atenção para esse crescimento menor no número de postos efetivamente criados. Pelas contas da consultoria, "retirado o efeito das fiscalizações sobre o total das contratações, a criação líquida de postos de trabalho formal, entre janeiro e setembro deste ano corresponde a uma expansão de 4,9%", observam os economistas da LCA. Sem o efeito fiscalização, a evolução é de 7% até setembro. Não há nenhum problema no fato de que parte do forte crescimento observado em 2004 seja resultado das ações de fiscalização do Ministério do Trabalho. Pelo contrário. Essa é uma boa notícia. Até setembro, a média mensal de formalizações está 30% acima da média mensal de 2003 e 2002, indicando um trabalho mais consistente e intenso por parte dos fiscais do trabalho. O menor crescimento no números de novos postos de trabalho, contudo, ajuda a entender melhor a dinâmica da economia ao longo de 2004 e mostra que a massa salarial efetiva é menor do que o projetado. Afinal, quase um terço dos novos trabalhadores formais já possuía renda. A formalização aumenta a proteção deste trabalhador, mas não representa renda extra mensal disponível para o consumo das famílias. Os dados do IBGE mostram que a renda média do trabalhador ocupado com carteira de trabalho assinada foi 2,1% maior em setembro de 2004 do que no mesmo mês do ano passado, já descontada a inflação, nas seis maiores regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte, não necessariamente nessa ordem).

Arrecadação do INSS cresceu mais que a renda

Na mesma comparação, a arrecadação da Previdência Social foi 7,6% maior em termos reais. As empresas, por sua vez, tiveram um aumento no lucro líquido de 149% no terceiro trimestre deste ano em relação a igual período de 2003, como revelou matéria do Valor, publicada na edição da última sexta-feira, com base no balanço de 45 companhias com ações em bolsa, amostra marcada por companhias com forte viés exportador. A comparação entre as três evoluções (salário, Previdência e lucro) indica que neste ano, mais uma vez, governo e empresas vão se apropriar da renda extra que está sendo gerada na economia brasileira, com crescimento estimado de 5%. Ainda não chegou a vez do trabalho e, em consequência, ainda não chegou a vez dos setores produtivos mais intensivos em mão-de-obra na divisão do famoso "bolo". Há outras explicações para a evolução da renda em um ritmo inferior ao dos demais indicadores ao longo deste 2004. A principal delas está na perversa distribuição de renda "por baixo" que está em curso na economia brasileira. Um número cada vez maior de sindicatos - entre eles importantes e organizadas categorias como os metalúrgicos do ABC e químicos de São Paulo - faz acordos salariais que estabelecem um teto para o reajuste da data-base. Por estes acordos, os rendimentos maiores recebem um percentual fixo de aumento no lugar de uma correção pela inflação dos últimos 12 meses. É um mecanismo que lembra as tentativas de limitar a correção dos salários a 80% da inflação passada, dos anos 80, e que foram tão duramente combatidas pelos mesmos sindicatos. De corte em corte na renda, vai faltando o que sustente o consumo. Desde setembro o comércio varejista percebe sinais de desaceleração nas vendas a prazo e à vista. O 13º salário e o apelo do final de ano podem dar novo fôlego ao consumo, mas os dados de outubro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) reforçam o alerta que começou em setembro: as consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) recuaram 1,2% sobre outubro do ano passado, enquanto as compras à vista tiveram queda de 0,2%. E é preciso olhar com calma para o efeito eleição: se neste ano tivemos feriadão em 12 de outubro, as eleições fizeram o paulistano ficar na cidade em dois finais de semana do mês. Neste país de excesso de tributos e leis - situação que incentiva, mas não pode ser desculpa à informalidade - um dado chama a atenção: as 58.782 empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho por contratação irregular representam 30% do total de companhias fiscalizadas de janeiro a setembro deste ano. Ou seja: três em cada 10 empresas mantinham, no mínimo, trabalhadores contratados sem carteira assinada. Há além destes, os escravos. Isso mesmo: em pleno século 21, no atual governo, foram encontrados 6.965 trabalhadores que estavam sendo mantidos em condições de escravidão.