Título: Gasoduto causa atrito diplomático às vésperas da visita de presidente chinês
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Brasil, p. A-2

Às vésperas da chegada do presidente chinês, Hu Jintao, uma divisão interna no governo brasileiro provocou atrito diplomático entre os dois países e fez a China indicar que pode complicar a negociação de uma série de acordos bilaterais. O constrangimento envolve a definição de uma parceria com a Petrobras para viabilizar a construção do gasoduto Sudeste-Nordeste, investimento estimado em aproximadamente US$ 1 bilhão. O presidente da empresa, José Eduardo Dutra, acredita que os japoneses têm mais "expertise" no assunto e podem resultar numa parceria melhor. Dilma tem preferência pelos chineses. Negociadores garantem que a indefinição não atrapalhará o sucesso da visita, mas acendeu o sinal amarelo. Hoje à tarde, uma reunião entre representantes da estatal chinesa de petróleo Sinopec e a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, tentará contornar o mal-estar. Um memorando de entendimentos assinado entre Brasil e China, durante a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio, previa participação do gigante asiático no financiamento do negócio. Trata-se de uma grande oportunidade para a China, que poderia exportar serviços e equipamentos para a construção do gasoduto. Mas os chineses reclamam que a Petrobras não cumpriu o combinado. O memorando previa que um documento atestando a capacidade técnica dos chineses em concretizar o empreendimento deveria ter sido liberado até o fim de outubro. A Petrobras não liberou o parecer e provocou descontentamento nos orientais. Apesar da diferença de opinião entre Dutra e Dilma, assessores próximos esclarecem que o clima entre os dois não é de briga. O governo chinês comunicou, em contato com a embaixada brasileira em Pequim e com o Ministério das Relações Exteriores em Brasília, insatisfação com essa indefinição. A negociadores experientes, sugeriu que pretende responder na mesma moeda e "sentar em cima" de acordos que interessam prioritariamente ao Brasil. Para um funcionário graduado do governo, entretanto, a ameaça chinesa é prática comum em negociações duras e foi considerada "um blefe". Ele considera que o gasoduto tem "caráter simbólico" na relação entre os dois países, mas garante que o caso não atrapalhará a relação bilateral e acredita que, em caso de impasse, uma solução deve ser encontrada na conversa entre Jintao e o presidente Lula. O problema é que a assinatura do memorando de entendimentos criou expectativa nos chineses. Existe um temor no governo brasileiro de que eles estejam esperando uma definição política para a questão, embora a divisão entre Petrobras e Ministério de Minas e Energia tenha fundo técnico. Dilma tem evitado, até agora, pronunciar-se publicamente sobre o assunto. Há duas semanas, disse rapidamente que não guarda preferência pessoal por nenhum dos lados. "Os investimentos serão feitos com quem apresentar as maiores vantagens", afirmou a ministra. Ela disse que as conversas em andamento com a China "não significam que outros memorandos e outras parcerias estratégicas não possam ser assinadas". Os dois governos têm claro que não será um impasse no gasoduto que interferirá nas relações bilaterais, mas o Brasil precisa da boa vontade da burocracia chinesa em outras questões. Uma delas é a parceria na área de etanol. Nos próximos meses, deverá ser assinado um acordo que permitirá a transferência de "know how" para a produção de álcool combustível na China. O memorando de entendimentos assinado em maio, entre Petrobras e Sinopec, é amplo e tem por objetivo avaliar negócios nas áreas de exploração, produção e refino. As duas empresas pretendem trabalhar juntas no Equador, onde a brasileira já possui dois blocos de exploração em terra. As duas também vão estar juntas no Irã, onde a Petrobras ganhou recentemente um contrato de prestação de serviço - ou seja, pode explorar e produzir e receberá uma remuneração do governo iraniano.