Título: "Crise reflete desprezo por aliados"
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Poítica, p. A-7

Líder da minoria, cargo criado em 1998 e só agora tornado efetivo no Congresso, o deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL) foi eleitor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder simbólico, ou, como prefere, "general sem tropa", porque, na realidade, a vinculação das bancadas é com os líderes, Nonô passou de eleitor desenganado pela ausência de mudanças a crítico radical. "Se o brasileiro não tivesse a oportunidade de vivenciar a ascensão de um partido que, por 20 anos, prometeu o céu, a lua e as estrelas, nós viveríamos sempre na suposição de que esse partido no poder seria diferente", conclui. O pefelista atribui as dificuldades do governo no Congresso às relações entre o PT e os aliados. O tratamento, que Nonô diz ser de "desprezo", teria ficado explicitado nas eleições municipais, quando os governistas, diz, deram preferência aos candidatos petistas em detrimento de seus aliados. A seguir, a entrevista ao Valor: Valor: Por que a retomada do Congresso está sendo tão difícil? José Thomaz Nonô: Metade do PT vota por sentido de disciplina, mas se violenta todo santo dia. A outra metade chafurda-se no poder, se deslumbra com as coisas maravilhosas que representam a sedução burguesa. A turma - PMDB, PTB, PL - não tinha número, e foi necessário inchá-los. O PT preservou sua aparente pureza. O raciocínio daquela banda do PT que se violenta é assim: nós ganhamos, estamos votando contra tudo que a gente acredita, e ainda querem botar mais gente nesse negócio? Foi essa contradição que estourou nas eleições municipais, quando os antagonismos de origem se tornaram irrefreáveis em milhares de municípios brasileiros. Acho que isso aqui vai virar um inferno, com a base ressentida. Valor: Em que medida a eleição municipal agravou as contradições desta base? Nonô: Em muitas cidades do país houve conflito para prefeito entre um candidato do PT e um do PTB, um do PT e um do PMDB. Onde houve esse conflito, o governo, naquilo que eventualmente pôde fazer, fez pelo candidato do PT. Não houve isenção. Deixaram que cada um da base seguisse o seu caminho ou, quando não, o PT ajudou seus candidatos e deixou que ministros participassem das campanhas. Até o presidente Lula pagou o mico de ir a São Paulo. Quando esses partidos tiveram que confrontar o PT em suas bases eleitorais, o governo foi PT e não teve visão de base. Valor: Mas o a votação do PT foi bastante significativa. Nonô: O problema é onde perdeu. Você quer ter mil bicicletas ou uma Mercedes? O governo ganhou um bocado de carrinho de rolimã. Nos lugares emblemáticos perdeu, em Porto Alegre e São Paulo, onde está 40% do PIB nacional. A votação no Rio de Janeiro foi um velório. Em Belo Horizonte ganhou bem, com a discreta ajuda do governador Aécio Neves. E o melhor quadro do PT é o prefeito Marcelo Déda, mas lamentavelmente ele está em Aracaju. E veja o pano de fundo: a política econômica mantida na sua integralidade. As coisas que geraram esse desastre eleitoral do governo estão mais vivas que nunca. Valor: Haverá imobilismo no Congresso? Nonô: O quadro se agravou, primeiro, porque a Câmara represou uma série de medidas provisórias. A Comissão de Orçamento continua com o mesmo impasse. É uma situação 'sui generis' na história da Câmara. Estamos em novembro e não há sequer definição de regras para apreciar a proposta orçamentária. Como é através das verbas que você expressa as prioridades administrativas e isso é legítimo, natural e ético, vai aumentar ainda mais o cenário de dificuldades. Valor: O sr. atribui à política econômica o desgaste do PT nos grandes centros como São Paulo? Nonô: Claro. O eleitor talvez não faça essa vinculação tão direta. Na cidade média ele vê que tinha mais asfalto e agora a estrada estragou; a educação está de pior qualidade; a saúde não está tão boa. A leitura é essa. O eleitor não vai dizer nunca que há dois viadutos a menos na sua cidade por conta do acordo com o FMI. Mas entende, claramente, que a presença do governo e do poder está menor e que a qualidade de vida está pior. O aumento tributário é claramente visível, e a classe média vê isso com uma clareza muito maior que a do Lula. Valor: Isso explica um certo afastamento da classe média do PT? Nonô: Óbvio. O sujeito que está pagando mais imposto, vê os níveis de violência crescente, sem geração de emprego, sem ativação da economia, tudo isso vai desgastando o governo. Valor: Os projetos de poder para 2006, sobretudo dos aliados, vão embolar ainda mais o funcionamento do Congresso. Nonô: Sim, mas isso vai depender de 2005. Não é agora. Agora é só exibição de musculatura. Não vale nada. Só tem uma coisa que vai definir 2006: a economia. Se a economia estiver boa e o Lula bem, ele faz aliança com quem quiser, cumprindo ou não os acordos. Porque há lamentavelmente uma categoria numerosa de políticos que quer ficar no governo. Se a economia estiver ruim em um ano, não tem conversa: pode oferecer um ministério todinho que o cara não vai querer, porque ele quer é o poder por mais quatro anos. Valor: Essa maioria do governo Lula não se parece com a de FHC? Nonô: O PSDB jamais foi um partido excludente. No governo atual, eles se consideram os monopolistas do bem. O desprezo com que o PT e o governo tratam seus próprios aliados é uma coisa que não foi vista no governo FHC. O governo inteligente tem instrumentos para valorizar sua base e fazer o sujeito se sentir orgulhoso de ser governo, e não constrangido. Há uma certeza quase divina neste governo que só eles fazem o bem e só eles sabem fazer o bem. Valor: Por que o sr. não votaria no Lula de novo? Nonô: Porque o Lula me frustra. Como PFL do B, de uma linha pouco ortodoxa no meu partido, me sinto profundamente decepcionado. Votei nele para ele fazer realmente uma mudança na prática política trazer para cá uma elite dirigente que inovasse uma prática cansada. O Lula passou a vida inteira querendo ser presidente e o que se viu é que o PT não tinha nenhum plano para governar. Eles não sabem fazer. O problema é esse.