Título: Reeleição é inoportuna, diz Lula
Autor: Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Política, p. A-8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a emenda da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, classificando-a de "inoportuna e extemporânea". Preocupado com o impasse provocado pela emenda no Congresso, o presidente fez os comentários na noite de segunda-feira, durante vôo para São Paulo, na presença de ministros e parlamentares governistas. A opinião de Lula pode inviabilizar de uma vez por todas a emenda. O presidente está convencido de que o projeto, cujo substitutivo foi rejeitado em maio na Câmara, emperrando as votações. Além de haver retirado apoio à emenda da reeleição, o presidente tomou outra iniciativa para resolver o impasse no Congresso. No início da noite de ontem, em reunião coordenada pelo ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, com a presença de Antonio Palocci (Fazenda) e Guido Mantega (Planejamento), o governo definiu a liberação das emendas de parlamentares. O objetivo também é conter a crise de insatisfação na base de sustentação. O "exército" aliado do governo decretou estado de rebelião ontem e não houve clima para retomar as votações na Câmara, cuja pauta está trancada por 21 medidas provisórias. O grau de descontentamento dos aliados é tão grande que foi necessário adiar o almoço entre o presidente Lula e os líderes da base na Câmara. Após terem participado, na noite de segunda-feira, de um jantar na residência oficial do presidente da Câmara, João Paulo Cunha, os próprios líderes aliados acharam prudente adiar o encontro com Lula. A crise mobilizou os ministros das áreas econômica e política do governo. A decisão imediata do Palácio do Planalto foi empenhar (fazer o comprometimento de gasto) até dezembro mais R$ 400 milhões em emendas individuais de parlamentares. Do total de emendas individuais - R$ 1,6 bilhão -, já foram empenhados R$ 800 milhões. A promessa do Executivo é chegar a R$ 1,2 bilhão até o fim do ano. A liberação do dinheiro - fase posterior ao empenho e o que realmente interessa aos parlamentares - será, por decisão da Fazenda, de mais R$ 600 milhões até dezembro. Entre esta e a próxima semana o governo vai liberar R$ 260 milhões. Os aliados avisaram que só começam a votar os projetos depois de verem publicadas no Diário Oficial os empenhos e liberações. Os líderes compararam o jantar na casa de João Paulo a um velório. Não havia o que dizer. A pressão dos aliados pode levar o governo inclusive a alterar o decreto de programação financeira 4.992, de fevereiro deste ano, que detalhou o contingenciamento orçamentário. Os aliados querem modificar o texto para retirar a exigência de que a homologação de convênios e realização de licitações (para as quais já haveria verba empenhada) ocorra até 31 de dezembro. A idéia é postergar a autorização para que concorrências públicas sejam realizadas até março ou maio do ano seguinte. A avaliação no Palácio é que a liberação de emendas não é a única razão da rebelião aliada. A indefinição política sobre a votação da proposta de emenda constitucional (PEC), que permitiria a reeleição dos presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, João Paulo Cunha, provoca forte desestabilização no Congresso. "Não está na pauta a reeleição. Se os líderes pedirem para arquivar a emenda, é arquivada. Precisa ter uma provocação legislativa", disse João Paulo. O líder do PMDB na Câmara, José Borba (PR), deixou claro no jantar na casa de João Paulo que seu partido agora quer uma posição oficial do governo sobre o tema. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), não aceita a reeleição e quer a presidência. Para esse problema, o Palácio ainda não tem solução. Isso significa que as votações, se ocorrerem, serão lentas. Lula foi informado da crise logo cedo, por João Paulo Cunha e pelo líder do governo na Casa, Professor Luizinho. Os aliados concluíram que Lula não poderia participar das negociações de varejo nem ouvir "lavação de roupa suja". O motim da base aliada foi debatido na rotineira reunião de ministros da área política do governo, com a presença de Palocci. Durou mais de três horas. Logo em seguida, Aldo Rebelo começou as articulações com os ministros Antonio Palocci (Fazenda), Guido Mantega (Planejamento) e Humberto Costa (Saúde) para solucionar o imbróglio das emendas. Ontem, no plenário da Câmara, quatro partidos da base - PMDB, PL, PTB e PP - aliaram-se à oposição e decidiram obstruir as votações. No Senado, foram votadas duas medidas provisórias, que garantem o ressarcimento adicional de R$ 900 milhões aos Estados por perdas com a Lei Kandir. Se não tivessem sido apreciadas ontem, as MPs perderiam a validade. Só por isso a oposição cooperou. O presidente vai convocar, pela segunda vez este ano, o Conselho Político com a participação dos presidentes dos partidos da base aliada do governo. A informação foi confirmada ontem pelo porta-voz da Presidência, André Singer. Mas ainda não há uma data fixada. A reunião será mais uma tentativa para reorganizar a base aliada no Congresso depois das eleições. O porta-voz também informou que em dezembro o presidente deve fazer mais uma reunião ministerial. A primeira reunião do Conselho Político foi convocado em maio para tratar da política econômica, que vinha sendo alvo de críticas de todos os partidos aliados. (Colaborou Taciana Collet)