Título: Governo dá prioridade a 'gestão social' em Itaipu
Autor: Marli Lima
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Empresas, p. B-7

O xerife da maior hidrelétrica do mundo gosta mesmo é de política. O petista Jorge Miguel Samek, engenheiro agrônomo que desde o início do ano passado ocupa o cargo de diretor-geral brasileiro de Itaipu, foi vereador em Curitiba, elegeu-se deputado federal e, antes de assumir, foi chamado por Luiz Inácio Lula da Silva para sua atual função. Trocou o sonho do Parlamento pelo comando de uma empresa que fatura US$ 2,4 bilhões e deve US$ 19 bilhões. Nos últimos dois meses, Samek matou um pouco da saudade dos palanques. Foi visto tanto ao lado do presidente da Eletrobrás, Silas Rondeau Cavalcante Silva, discutindo questões ligadas à geração de energia, como em programas exibidos no horário eleitoral gratuito, reunido com o grupo de apoio de Angelo Vanhoni, petista que concorreu à prefeitura de Curitiba e foi derrotado pelo tucano Beto Richa. Na campanha, participou de almoços, caminhadas e comícios - a ponto de seu comportamento ter resultado em críticas da oposição, que chegou a levantar suspeitas sobre o uso de Itaipu nas eleições. Na reta final do segundo turno, cinco deputados apresentaram na Assembléia Legislativa do Paraná um requerimento pedindo informações sobre os gastos da Itaipu Binacional com publicidade a partir de dezembro de 2003. Um deles, Valdir Rossoni (PSDB), denunciou que a empresa estaria financiando a viagem de cabos eleitorais do interior do Paraná para apoiar Vanhoni em Curitiba. "São suspeitas infundadas", reage. No escritório da empresa em Foz, Samek despacha entre um telefonema e outro de políticos e amigos que buscam sua opinião sobre as mais diversas questões. "Nunca soube ficar omisso", diz. "As pessoas precisam entender que não cheguei a Itaipu por decreto ou concurso público. Cheguei porque o Lula ganhou uma eleição. E ele ganhou porque milhares de pessoas o apoiaram. Agora querem que eu não participe de campanhas porque sou presidente de Itaipu? Isso é uma incongruência, além de falta de lealdade", disse, ao Valor. Respeitado dentro do partido, o nome do executivo já foi cogitado para concorrer ao governo do Paraná em 2006. Sobre o assunto, ele prefere dizer que, no momento, só pensa em fazer uma boa administração em Itaipu. "Mas se meus companheiros acharem que devo ocupar outra posição e se o presidente Lula, que é a pessoa que mais ouço, achar que é importante que eu cumpra tal tarefa, não vou me negar", esclarece. Samek não esconde suas preferências, mas diz sentir-se à vontade no posto. "Minha vida sempre foi fazer política e fazer mudanças", diz. "Eu gosto demais, mas na Itaipu também se faz política. Política energética, a política que movimenta o Brasil." E Itaipu realmente ajuda a mover o país. Sai das 18 turbinas da empresa energia para abastecer 25% da demanda brasileira e 95% do consumo paraguaio. A capacidade instalada atual é de 12.600 megawatts. Está prevista para o final de 2005 a conclusão das obras de outras duas unidades geradoras, que ampliarão a capacidade para 14 mil megawatts. Quando isso acontecer, o vertedouro, por onde sai a água que não é aproveitada pelas turbinas já instaladas, deverá ficar seco. Mesmo aumentando a produção, Itaipu não dará lucro até 2023, quando deverá terminar de quitar a dívida contraída desde a construção e cujos valores são corrigidos pela variação de dois índices que medem a inflação americana - o de preços ao consumidor e o de produção industrial. De 2003 para 2004, por exemplo, a correção foi de 3,66%. De seu faturamento, 75% são usados para pagar juros e amortizações. Outros 14% vão para pagamentos de royalties a estados e municípios que tiveram terrenos alagados com a construção de Itaipu. Sobram 11% para a operação da usina. Todos os números estão na ponta da língua do executivo. Ao falar da empresa, Samek apresenta um entusiasmo surpreendente para um homem que, nos anos 70, protestou contra a usina. "Na época fiz manifestações, acampei, fiz tudo o que você pode imaginar", relata. Ele diz, no entanto, que sua briga não era contra a usina, mas contra os valores das desapropriações pagas aos agricultores das cidades ribeirinhas - um deles o seu próprio pai. Seguir as recomendações de Lula tem sido uma de suas preocupações. Segundo Samek, o presidente alertou que estava lhe entregando o comando de uma das maiores empresas do país, com o compromisso de que se lembrasse de que, ao lado dela, há gente passando fome. "Ele disse que devia pensar uma hora por dia nisso", conta. "Itaipu sempre foi a melhor empresa de energia do mundo em termos de produção e manutenção das máquinas, mas agora ampliamos as ações." Uma dessas ampliações diz respeito ao Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), que vai aproveitar a inteligência dos engenheiros que, 30 anos atrás, encararam o desafio de construir a usina que em 1995 foi listada como uma das sete maravilhas do mundo moderno. "Itaipu tem os melhores técnicos do mundo, só que eles estão ficando de cabelos brancos, se aposentando, e não podemos desperdiçá-los", diz Samek. Nos barracões que abrigavam os barrageiros, esse pessoal vai trabalhar em pesquisas e desenvolvimento em conjunto com universidades e outras instituições públicas e privadas. A primeira aposta é um parque de software. Outra ação está ligada ao meio ambiente, com a recuperação dos rios e matas ciliares. O terceiro projeto é para incremento do turismo. O executivo lembra que a região já possui atrativos como as cataratas do Iguaçu, um parque nacional e as três fronteiras, formada por Brasil, Paraguai e Argentina. "Ter uma usina bonita, com um tratamento paisagístico fantástico, faz com que os turistas permaneçam na cidade por mais um ou dois dias em função de Itaipu, seu museu, refúgio biológico, reservatório e iluminação noturna", cita ele. São ações que também podem ser entendidas em um contexto político - afinal, são funções típicas do Estado, como a promoção do turismo e a busca por um modelo de desenvolvimento regional. Mas o diretor de Itaipu diz que "não mistura as estações". O mesmo, segundo ele, vale para a campanha eleitoral. Ele também tem resposta para a foto publicada em jornais de Curitiba, em que aparece em um jipe com Vanhoni e o governador Roberto Requião, que havia acabado de pedir licença do cargo para trabalhar na campanha política. "Era meio dia e um", diz. "Falei para o Requião que só sairia se fosse na hora do almoço."