Título: Bancos chegam aos menores municípios
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Finanças, p. C-3
A expansão bancária através de correspondentes começa a se traduzir em desenvolvimento econômico em pequenos municípios. A reportagem do Valor visitou duas cidades, Autazes (AM) e Mairipotaba (GO), que viram sua economia crescer depois da instalação de correspondentes bancários, com maior movimento em comércio e serviços e, conseqüentemente, mais arrecadação de tributos e taxas que reforçam o caixa da prefeitura. Em Autazes, cidade de 25 mil habitantes a 140 km da capital Manaus, dobrou o número de estabelecimentos comerciais desde abril de 2002, quando a cidade recebeu o Banco Postal. Mairipotaba, a 100 km de Goiânia e 3,5 mil habitantes, tem hoje 30% mais casas comerciais do que tinha em 2002. Comerciantes de dentro e fora destas cidades perceberam que o dinheiro passou a circular mais no local e decidiram investir, tanto em novos negócios quanto em expansão dos existentes. Em Mairipotaba, há vários exemplos da atração de investidores e comerciantes pela renda maior circulando na cidade. Lucelene Gonzaga Lopes, uma costureira nascida e criada em Cromínia, a 12 km de Mairipotaba, é um deles. Lucelene costurava em casa e sempre quis abrir uma loja, mas estava desestimulada pela concorrência de outras confecções em sua cidade natal. Como muitos de seus clientes eram de Mairipotaba, ela e o marido, Leovaldo Lopes da Silva, decidiram se mudar e investir na cidade vizinha. Chegaram em junho passado e abriram uma pequena loja na avenida principal da cidade, que por enquanto não tem nome. "Deu certo, graças a Deus, hoje até gente de Cromínia sai de lá pra comprar aqui comigo." Rubens Rodrigues de Oliveira também sentiu que Mairipotaba oferecia futuro para seu negócio, que é loja de móveis. Em 2002, aconselhado por um amigo, Rubens saiu de Bela Vista de Goiás, uma cidade bem maior (mais de 20 mil habitantes) para colocar a loja em Mairipotaba. "Quando cheguei aqui não tinha nada, só três pequenos mercados. Ninguém acreditava na cidade. Com o banco, o dinheiro ainda é pouco mas o giro melhorou muito", afirma Rubens, que acaba de comprar sua casa própria com o lucro gerado em sua loja, a Bruno Móveis. Moisés da Silva Alves, nascido em Belém do Pará, serralheiro, vidraceiro e evangélico fervoroso, trabalhava no Departamento de Missões da igreja até 2002. Ele era encarregado de fiscalizar as obras da Assembléia de Deus pelo interior do Amazonas, quando um dia aportou em Autazes e se apaixonou pela esposa Ireniza Monteiro do Nascimento. Ireniza tinha uma lojinha pequena que vendia um pouco de tudo, artigos de armarinho, perfumaria e outros itens. A cidade já estava crescendo quando eles resolveram casar e juntar forças para ampliar o negócio. Nestes dois anos, a loja deles, a Quazitudo, se transformou em uma das maiores de Autazes, vendendo 5 mil itens - de agulha de costura e tricô a chumbinho para arma de caça, passando por brinquedos, calçados e confecções, artigos para pesca e objetos de decoração. Em 2003 abriram a primeira filial, uma loja de artigos para bebê em frente à sede e há alguns meses abriram a segunda filial, no final do mesmo quarteirão, para vender também flores artificiais entre outros três mil itens. "O dinheiro tem circulado no município, não se pode negar, e tem multiplicado não só o nosso celeiro mas o de muitos outros por aqui", comentou Moisés. Segundo o vice-prefeito de Autazes, Percilei Pantoja (PFL), desde 2002 a cidade ganhou pelo menos cinco novas lojas grandes e 15 pequenas, sem contar as que já existiam e foram ampliadas. Embora situados em regiões tão diferentes e distantes uma da outra, estes municípios têm algo em comum que explica por que a presença de um banco faz diferença. Ambos são afastados das cidades mais importantes e, antes da instalação do Banco Postal, seus moradores eram obrigados a se deslocar muitos quilômetros para receber salários e aposentadorias, muitas vezes a única fonte de renda da população de cidades desse porte. Ao se deslocarem, freqüentemente levando um dia inteiro de viagem, os cidadãos gastavam o dinheiro no município onde tinham ido sacar o dinheiro, tanto para evitar assaltos no caminho de volta quanto por falta de oferta de produtos em suas próprias localidades. "O Banco Postal está levando progresso a milhares de municípios antes desassistidos pelo sistema financeiro tradicional", comenta André Cano, superintendente do Banco Postal, uma sociedade entre o Bradesco e os Correios. O Bradesco venceu uma licitação , no ano 2000, para assumir o serviço que consiste em oferecer estrutura e atendimento bancário básico nos postos dos Correios. Através dessa parceria, instalou 5.299 postos do Banco Postal em 4.656 municípios em todo país. O investimento de R$ 200 milhões feito pelo Bradesco no Banco Postal rendeu 2,356 milhões de novos clientes, que fazem cerca de 20 milhões de transações por mês.
Se não fosse pelo Banco Postal, não teríamos atingido estes municípios", diz Marcelo Barroso, do Bradesco
"Se não fosse pelo Banco Postal não teríamos atingido estes municípios, já que para instalar uma única agência bancária tradicional é necessário um investimento de pelo menos R$ 500 mil", explica Marcelo Barroso, superintendente do Banco Postal em Manaus. A economia de Autazes e Mairipotaba se sustenta, na prática, com as mesmas fontes. O Fundo de Participação dos Municípios (FPM, repasse do governo federal) é o grande financiador no setor público e a pecuária de carne e leite é a grande fonte privada. Manter pelo menos parte destes recursos dentro da cidade é que tem propiciado maior atividade, já que a economia do país neste período não esteve em suas melhores fases. Quando não tinham acesso a agências bancárias e serviços financeiros, as prefeituras destes municípios - e de centenas de outros que estão vivendo o mesmo processo - pagavam seus funcionários via banco estadual em outras cidades maiores. Ou seja, os funcionários públicos eram obrigados a se deslocar para outro lugar para receber seus rendimentos mensais. Com o posto bancário, eles passam a receber e gastar localmente. Muitos fazendeiros e pecuaristas também preferem movimentar o dinheiro no município onde moram e mantêm seus negócios. Em Mairipotaba, o fazendeiro Joaquim Tavares abriu uma conta no Banco Postal para receber o pagamento pelos 200 litros de leite que vende diariamente para a indústria de laticínios Marajoara. Sediada em Hidrolândia (GO), a Marajoara compra leite de 90 pequenos produtores nos municípios ao redor de Mairipotaba, conta Valdir de Freitas, gerente do posto de resfriamento da indústria em Mairipotaba. Joaquim Tavares mora em Mairipotaba, mas, como não tinha banco ali, a Marajoara depositava o dinheiro dele no Banco do Brasil em Pontalina, a 45 km. Aproveitando a viagem, ele também fazia suas compras. Agora que recebe na sede dos Correios, ao lado da praça e da igreja da cidade, Tavares é visto circulando e fazendo compras nos açougues, mercados e lojas de artigos para atividade rural. "Para nós é mais fácil depositar o dinheiro deles aqui, evita burocracia", diz Valdir de Freitas. No ano passado, a Caixa Econômica Federal encomendou ao Instituto Vox Populi uma pesquisa nos municípios onde tinha correspondentes bancários para tentar medir o impacto econômico do projeto. Segundo o superintendente Tarcisio Luiz Dalvi, foram ouvidos 600 comerciantes em todo país. Os comerciantes apontaram um incremento no volume de negócios entre 10% e 40% em média, dependendo do local. "Ser correspondente bancário atrai público para o comércio, melhora o negócio do comerciante e melhora a arrecadação do município. É um círculo virtuoso", afirmou Tarcísio Dalvi. O correspondente bancário foi regulamentado no Brasil pela resolução 2.707 do Banco Central (BC), de março de 2000. De lá para cá, o número de correspondentes aumentou mais de 145%, de 8.638 para aproximadamente 21.200 este ano. Hoje praticamente todos os 5,5 mil municípios brasileiros são atendidos por algum correspondente bancário, seja através das 8,9 mil casas lotéricas, que prestam serviços para a Caixa Econômica Federal, seja pelo Banco Postal. Embora existam iniciativas de correspondentes bancários de outras instituições (veja tabela ao lado), a Caixa e o Bradesco são os grandes agentes, com o maior número de postos e presença em todo país. A Resolução 2.707 autoriza o correspondente a liberar saques, receber depósitos até no máximo R$ 3 mil e pagamento de contas de consumo e cobrança, tributos e taxas. O Banco Central calcula que hoje a cobertura bancária já atingiu todos os 5,5 mil municípios brasileiros e que 23 milhões de pessoas do universo de 44 milhões, que são economicamente ativos mas têm baixa renda, já tem acesso a algum tipo de serviço financeiro.