Título: Fazenda quer cortar crédito direcionado
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Finanças, p. C-5

O governo pretende reduzir a parcela do crédito direcionado na economia, ampliando a faixa livre, como medida para estimular a redução do "spread" bancário. Essa iniciativa, ao lado da autonomia operacional do Banco Central e da desvinculação entre o reajuste do salário mínimo e dos benefícios da Previdência Social, formam a parte mais polêmica de uma agenda de trabalho que a equipe econômica definiu para 2005/2006. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, apresentou os pontos dessa agenda, na segunda-feira, à missão técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, antes, já a havia submetido à Câmara de Política Econômica. A decisão de começar a desmontar as regras de direcionamento do crédito, de forma gradual e com regras de transição, foi tomada após a elaboração de um trabalho técnico, que mostra os males que o governo acaba produzindo ao "carimbar" os recursos para irrigar o crédito a determinados setores da economia, em condições de juros privilegiados em relação às taxas de mercado. Hoje o crédito total representa 26,3% do PIB, segundo os últimos dados do Banco Central. Desses, 9,5% do PIB correspondem a créditos direcionados, 15% do PIB são de recursos livres, 0,7% do PIB representa operações de leasing e 1,1% do PIB vai para o setor público, tanto da administração direta quanto indireta. Dos direcionamentos, que equivaliam a R$ 165,88 bilhões em setembro, R$ 23,8 bilhões se destinam ao financiamento habitacional, R$ 49,1 bilhões vão para a agricultura e R$ 91,36 bilhões são de crédito direto ou repasses do BNDES. Outras operações "carimbadas" representariam mais R$ 1,55 bilhão. Os estudos apontam que o direcionamento aumenta o "spread" bancário cobrado da parcela de recursos livres, cria ineficiência na alocação dos recursos e aumenta o risco de crédito, pois os empréstimos são concedidos a setores que, eventualmente, não teriam acesso ao mercado. Os especialistas do governo apontam, ainda, o risco de liquidez, que ocorre quando os agentes financeiros são levados a conceder créditos a prazos superiores aos da aplicações desses recursos. Esse assunto está sendo tratado, na Fazenda, com grande cuidado, porque são enormes as resistências dos setores agraciados com o crédito dirigido. Não há, ainda, uma proposta concreta sobre como fazer. A base da política a ser adotada para, de forma paulatina, desmontar esse modelo, é buscar o fortalecimento do mercado de capitais, desenvolver a securitização de crédito e concentrar mais a participação do setor público no financiamento de linhas de equalização de taxa de juros. Para lidar com o subsídio cruzado que o direcionamento requer, a idéia da área econômica é de manter os bancos na operação das linhas de crédito direcionado, mas dando a eles, previamente, as regras de focalização desses empréstimos. E fazer venda de subsídios por meio de leilões, sendo que esses incentivos devem, num horizonte maior de tempo, constar integralmente do orçamento fiscal. A agenda de medidas a serem tomadas nos dois últimos anos do governo compreende, ainda, uma série de outras iniciativas que terão de ser tocadas sobretudo no ano que vem. Na área da concorrência, por exemplo, Palocci recomendará que, nas negociações internacionais, o governo use a redução das tarifas de importação como mecanismo de concessão do país nos fóruns de comércio. Até porque a criação da Cofins sobre os bens importados criou mais espaços para isso. Na área de seguros, há também muito a fazer, inclusive porque o Instituto de Resseguro do Brasil (IRB) opera, hoje, num vazio jurídico, dado que a ação de inconstitucionalidade para a abertura desse mercado foi derrubada na Justiça, mas o IRB ainda opera como um monopólio. Fazem parte da lista de tarefas definidas pelo ministro da Fazenda, ainda, arranjar espaço político para enviar o projeto de autonomia operacional do Banco Central para o Congresso; montar uma proposta, com a Previdência Social, para desvincular os benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo; entre outras medidas que não são de sua área específica, mas lhe interessam acompanhar, que vão desde a implementação dos fundos de previdência complementar do funcionalismo público à reforma do Judiciário e melhora do ambiente geral para o investimento.