Título: A "lei do silêncio" da CVM cerceia liberdade de informar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2005, Opinião, p. A10

Entrou numa escalada perigosa a campanha da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra a divulgação de informações pela imprensa sobre as ofertas de ações na bolsa. Em uma semana, a autarquia, que tem entre suas atribuições "assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido", suspendeu duas emissões de papéis por supostos "vazamentos" de informações à imprensa. Houve, antes disso, um "estranhamento" com o BNDES, que levou a uma suspensão voluntária de uma dia na oferta pública de distribuição de quotas do PIBB, depois que algumas notícias sobre o fundo apareceram em jornais. Na terça-feira passada, a CVM suspendeu por dez dias a oferta de ações da Guararapes Confecções por suposta infração à regra da instrução 400, que estabelece que "participantes da oferta se abstenham de manifestações na mídia sobre operação em curso". Nesta semana, voltou à carga e mandou parar por 15 dias a oferta da usina de açúcar e álcool Cosan pelos mesmos motivos. No primeiro caso, o alvo foi um sócio da Fama Investimentos, administradora de recursos que está entre os promotores da oferta da Guararapes. Em declaração ao Valor, ele destacou que "com boas perspectivas do setor de varejo, crédito e bens de consumo, ao vender uma parte do que tenho o estoque pode valer mais". Na suspensão da Cosan, a CVM voltou seus canhões contra representantes da Cosan e do Morgan Stanley por terem dado à revista "Dinheiro Rural" declarações que supostamente "não se encontram objetivamente refletidas no prospecto [da oferta]". No comunicado divulgado pela autarquia, as declarações colocadas no índex da CVM vão desde estimativas do valor de venda dos papéis até divagações sobre o efeito do Protocolo de Kyoto na demanda de álcool, "um combustível verde e renovável". Não ficou claro se para a CVM também é "privilegiada" esta última informação. Tudo que estiver fora do prospecto, segundo a CVM, viola a "Lei do Silêncio", como ficou conhecida a instrução 400. O objetivo é "impedir que o interesse do público investidor possa ser influenciado por declarações não constantes do prospecto e do material de venda, ainda que não identificada sua fonte". São boas intenções. Mas o discurso da CVM embute um cerceamento perigoso. Primeiro, considera o investidor incapaz de avaliar as informações que recebe. Segundo, subestima a capacidade da imprensa de usar as informações recebidas da fonte, checá-las com outros participantes do mercado e dar ao leitor algo mais do que os dados oficiais. Mais grave é a ameça explícita feita pela autarquia às fontes de informação de jornalistas: segundo a CVM, a violação da "lei do silêncio" pode ocorrer "não apenas por declarações atribuídas a participantes da oferta como também pela inclusão, no conteúdo de matérias jornalísticas, de informações que somente podem ser detidas por fontes, ainda que não identificadas, que tenham conhecimento de dados confidenciais da oferta". A mensagem, já captada pelo mercado, é clara, com contornos do Grande Irmão, de George Orwell: o mercado é pequeno e eu sei onde você está e com quem anda falando. Assim, a CVM impôs por decreto o fim da informação "em off", o jargão das redações para o anonimato que preserva a fonte. Não se contesta o papel da CVM de zelar pela isonomia das informações. É louvável seu trabalho no combate à informação privilegiada, mesmo contando com um dos menores orçamentos da União. O mercado local ainda gira mais em torno dos chamados "investidores qualificados" - bancos e fundos de investimento - do que do pequeno investidor. Mas exatamente por isso o órgão está atirando na direção errada quando cria barreiras para o trabalho da imprensa, instituindo a mordaça para fontes de informação. A imprensa é meio muito mais eficaz para disseminar informações que prospectos e calhamaços de difícil digestão pelo investidor comum. Uma nota no jornal é muito mais democrática do que uma reunião com investidores "qualificados", em geral só aberta a bancos. Em julho, o regulador do mercado americano afirmou que as regras do "período de silêncio" eram duras demais e que iria abrandá-las. A decisão teve reflexos no Brasil, já que muitos já vinham reclamando do excesso de rigor da 400. Em entrevista ao Valor, na época, Carlos Alberto Rebello, superintendente de registro da CVM, admitiu que seriam estudadas as modificações dos EUA para evitar que as empresas interrompam totalmente a comunicação, em especial, com a imprensa. Esta é a hora.