Título: Países já discutem 'plano B' para Rodada Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2005, Especial, p. A

Relações externas Em clima tenso, ministros buscam saídas para evitar fiasco total na reunião de dezembro

O Brasil e a União Européia, dois participantes centrais na Rodada Doha, aprofundaram ontem o confronto por causa da resistência européia de fazer novas concessões na área agrícola. Ao mesmo tempo, vários ministros passaram a a falar de ? ? plano B" para evitar o desastre total em Hong Kong, no mês que vem, e numa segunda conferência ministerial, talvez em março ou abril. A ameaça que paira sobre a já combalida negociação global ampliou-se ontem a noite após oito horas de reunião entre ministros de 20 países convidados pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, visivelmente decepcionado, acusou a UE de não querer negociar seriamente e de procurar "desculpa para dizer que a rodada não fracassou por causa deles". Mas advertiu que "eles podem enganar sua própria opinião pública, mas não a mim e nem a opinião pública brasileira'. Amorim acrescentou: "Sinceramente, se continuar assim não faz sentido (continuar negociando), é perda de tempo. Tenho de tratar do Mercosul, de outras coisas. Não há negociação''. Indagando se o Brasil estava jogando a toalha, o ministro retrucou que não, porque existe o sistema de solução de controvérsias que o Brasil pode utilizar para continuar ganhando disputas contra subsídios agrícolas. A irritação brasileira aumentou e a UE limitou-se a aumentar as exigências, mesmo depois que o Brasil fez a oferta de cortar 50% nas tarifas industriais, num gesto para tentar desbloquear as discussões. "Eu estou ficando convencido de que a UE está elevando a barra não é para obter o que pede, mas sim para não fazer nada em agricultura e não querem dizer isso. Isso não e sério", disse o ministro. Cercado pela imprensa internacional, Amorim destacou que o Brasil procurava ver o que era possível, daí a oferta industrial, mas que a UE só repetia o mérito de sua proposta, quase fazendo-o dormir nas reuniões. "Quando o Brasil corta 50% na tarifa média, ainda que seja consolidada (não a realmente aplicada), estamos abrindo mão de espaço político previsto nas regras, que prevê proteção para a indústria nascente", explicou. "Estamos abrindo mão disso. No caso deles (europeus), não estão abrindo nada, estão fazendo o que tem de fazer de qualquer maneira porque não têm mais dinheiro para gastar em agricultura." Já no começo da tarde, ao reunir os ministros, Lamy constatou os profundos desacordos e propôs "recalibrar" a ambição dos acordos de liberalização agrícola e industrial previstos para Hong Kong, no mês que vem, para evitar o desastre total na conferência. Mas Peter Mandelson, comissário europeu de comércio, reagiu dizendo que isso vai inevitavelmente gerar uma queda da ambição para a rodada. Amorim foi incisivo. Avisou que a ambição de Hong Kong pode até cair, mas não de Doha "porque aí não tem rodada e o Brasil não vai fazer nada." Enquanto Amorim falava, Mandelson passou discretamente pelos jornalistas. Já Robert Portman, o principal negociador americano, indicou que diante do tamanho das divergências, uma alternativa é os países continuarem negociando liberalização agrícola sem a UE e depois apresentarem o resultado a Bruxelas. Diferentemente de Amorim, ele se mostrou mais conciliador. O plano original para Hong Kong era definir os tamanhos de cortes dos subsídios e das tarifas agrícolas e industriais. Isso passa pela aprovação de fórmulas. Agora, o "plano B" significa aprovar uma declaração ministerial com diferentes opções de cortes e empurrar as decisões para o primeiro trimestre. Mas analistas acham que o bloqueio atual vai gerar uma crise tão grande nas próximas semanas, que os países vão acabar sendo empurrados a encontrar uma solução em Hong Kong. A tensão aumenta na medida em que a rodada se aprofunda. Mas há também momentos de humor. Portman chegou gripado e em certo momento disse que teria um colapso se continuasse uma certa discussão. Mandelson, com seu humor britânico, retrucou: "Isso seria muito inconveniente."