Título: "Não há hipótese de Palocci sair do governo", diz Dirceu
Autor: Raymundo Costa e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2005, Especial, p. A14
Entrevista Para deputado, Lula vai radicalizar se a oposição aumentar pressão sobre o ministro
Com a experiência de quem passou 30 meses no centro do governo, o ex-ministro José Dirceu diz que "ninguém deve ter ilusão" sobre a saída do ministro Antonio Palocci (Fazenda) no governo. Nem a ministra Dilma Rousseff, que considerou "rudimentar" o programa fiscal de longo prazo proposto pela equipe econômica, nem outros críticos da política de Palocci no governo, como Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Guido Mantega (BNDES). "O Lula não abre mão do Palocci. Ele vai botar para quebrar se mexerem com o Palocci. É a única hipótese de o Lula radicalizar", diz Dirceu nesta entrevista ao Valor. Aos 59 anos, as atenções de Dirceu estão quase todas voltadas para o julgamento de seu processo de cassação, por quebra do decoro, previsto para o dia 23, no plenário da Câmara dos Deputados. Mas ele não desliga da crise política. Acha que o ministro da Fazenda se tornou a bola da vez da oposição dentro de um processo eleitoral com vistas a barrar a reeleição de Lula em 2006. "O que tem contra o Palocci é uma escalada de denúncias vazias", afirma. Dirceu ainda não se deu por vencido na disputa para salvar o mandato. Acha que Lula, na entrevista ao programa "Roda Viva", na realidade o apoiou quando disse que ele sofreria uma cassação política, sem provas, a única em período de normalidade democrática no país. "Eu tenho que provar que sou inocente e não tenho a presunção da inocência". Para Dirceu, "é evidente que o governo enfraqueceu muito com a divisão interna do PT". A seguir, a entrevista: Valor: PFL e PSDB fazem hoje com o PT o que o PT fez quando estava na oposição? José Dirceu: Faltou decoro da oposição nesses ataques ao Lula. Não posso aceitar isso. O nosso comportamento com o presidente Fernando Henrique, com o PSDB, e o dossiê Cayman (farsa montada contra FHC e rejeitada por Lula) é um exemplo, mostra que o comportamento deles é irresponsável. Eles estão agravando a situação porque mentem para opinião pública quando dizem que o Lula e eu pedimos o impeachment de FHC. Valor: Não pediram? Dirceu: Eu quase não fui presidente do PT para derrotar o "fora FHC". Declarei aos jornais na época que não aceitaria a presidência do PT se continuassem defendendo dentro do partido a tese do impeachment de FHC em 1999. O que fizemos foi um abaixo-assinado de um milhão de assinaturas para fazer a CPI das Privatizações. Isso faz parte da regra do jogo. Nenhum dirigente do PSDB ou do PFL ter se levantado para criticar o uso da expressão "bandidão" (pela deputada tucana Zulaiê Cobra) e as declarações de que 'vamos dar uma surra no presidente' (dos senadores Arthur Virgílio e Heloísa Helena e do deputado ACM Neto) só demonstra o grau de ódio e violência que está embutido na oposição hoje ao PT e ao governo Lula. Revela as raízes do preconceito de classe e político que existe no Brasil contra Lula e o PT. Um preconceito que eles alimentam principalmente em São Paulo. É uma tentativa de introduzir na política brasileira elementos anti-democráticos que levam a conflitos que já vimos em países vizinhos. Valor: Onde? Dirceu: Na Venezuela. É uma tentativa de criar no Brasil um clima que não existe porque as CPIs estão funcionando. É uma espécie de anti-chavismo por parte da oposição. Quando a oposição tentou impor que o presidente não podia ser reeleito, que o presidente não podia viajar pelo país, e quando procura desqualificar os integrantes das CPIs que têm interpretações diferentes das da oposição, quer retirar legitimidade de quem é do PT para participar. E eles não têm autoridade nenhuma para fazer isso porque estão protegendo o (senador) Eduardo Azeredo, o PSDB. A crise está absolutamente partidarizada e instrumentalizada. Valor: Com que objetivo? Dirceu: Impedir a reeleição do Lula. O objetivo é criminalizar o PT e, se possível, cassar seu registro. A oposição está contaminando a vida política do país com o vírus do ódio, que não tem no Brasil porque o PT não fez isso. Pelo contrário, tivemos um comportamento civilizado nos momentos mais graves que eles enfrentaram. Depois da eleição, não fomos para a revanche, a devassa. Não fomos para o discurso fácil. Valor: E a herança maldita? Dirceu: Falei da herança maldita porque, ao chegar no governo, me dei conta da gravidade da situação em que eles deixaram o país em várias frentes. No setor energético, que tivemos de reconstruir todo, a dívida interna, a situação da máquina administrativa e da estrutura de comando do país que eles desmantelaram. Valor: No passado, o sr. também prometeu bater nos tucanos? Dirceu: Tenho um atenuante porque falei nas urnas e ruas, então, o sentido não era físico, era político. O contexto do meu discurso era político. Valor: O ministro Antonio Palocci é a bola da vez? Dirceu: Considero um crime o que estão fazendo com o Palocci. É a senha da sanha da oposição. Não acredito que alguém, em sã consciência, possa desejar que o país comece a ter problemas na área econômica. Só uma mente doentia. O que tem contra o Palocci é uma escalada de denúncias vazias. A questão de Cuba, essa questão dos angolanos, do jogo do bicho. Na questão de Cuba, a única testemunha está morta. No caso dos angolanos, a única testemunha diz que tudo é mentira. Valor: Ao contestar a política econômica, o PT também não fragiliza a situação de Palocci? Dirceu: Há uma demanda, que não é só do PT, é de diferentes setores da sociedade, de mais recursos para educação, infra-estrutura, saneamento e habitação. A discussão sobre superávit fiscal e juros é recorrente em todo governo. Agora, nem por isso a bancada do PT tem deixado de votar. Não acredito que as divergências com a ministra Dilma Rousseff sejam de natureza que inviabilizem a concepção da política econômica ou a presença do ministro Palocci no governo. Valor: O sr. também divergia da política econômica quando estava na Casa Civil. O que mudou?
Não devemos subestimar Garotinho nem Rosinha. Ele pode ganhar a maioria do PMDB numa prévia"
Dirceu: No meu caso é diferente porque eu era deputado federal. Estava licenciado, mas tinha, como ministro, audiência na bancada. Além disso, apesar de ter renunciado à presidência do PT, ia às reuniões do Diretório Nacional quase que exclusivamente para expor e defender a política do governo. Era o meu papel. É verdade que sempre consegui respaldo da maioria da bancada do PT e sou acusado até por isso agora. Eu blindava o Palocci e a política econômica. Valor: O sr. continua discordando da política econômica? Dirceu: Minha opinião é pública. Não dá para transformar a questão da política monetária num debate porque isso paralisa o governo. O presidente decidiu, nós temos que tocar para a frente. A minha opinião sobre as metas de inflação e as políticas monetária e fiscal sempre foi divergente da opinião do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Mas não acredito que essa questão seja uma razão para ter uma crise em torno da política econômica ou da posição do ministro Palocci. Valor: É oportuno discutir uma ampliação do ajuste fiscal num momento de crise, quando o Congresso já se queixa do ajuste feito este ano? Dirceu: É isso o que a bancada do PT tem levantado. Apresentar uma nova proposta de ajuste fiscal num momento político como este pode ser um erro perante os movimentos sociais, os diferentes setores do capital produtivo, do capital industrial, que já se sentem também prejudicados pela atual política. Valor: Na sua opinião, essa política, criticada pelo PT, tem sido bem-sucedida? Dirceu: Temos inflação baixa, os preços caindo, as tarifas públicas também, a economia crescendo, mas, aí, o exportador, com toda a economia voltada para a exportação, não aceita o câmbio baixo. O trabalhador, por sua vez, está com o salário valorizado. O presidente sempre optou pela política que garanta a criação de empregos, o crescimento e inflação baixa. Não se deve ter ilusão sobre isso. Quem votou no presidente Lula e quer votar de novo tem que ter consciência de que o presidente Lula optou por esse caminho. As políticas monetária e fiscal que o ministro Palocci e a equipe econômica têm implementado no país têm total apoio do presidente. Ninguém deve ter ilusão disso. A ministra Dilma, os outros ministros que têm divergido, o Furlan, quem quer que seja que tenha criticado, o próprio Guido Mantega, hoje no BNDES, sabem que, na hora de decidir, o presidente vai apoiar o ministro Palocci. Sou radicalmente contrário a qualquer movimento que signifique colocar em risco a posição do Palocci. Não só por solidariedade a ele, neste momento, mas principalmente porque seria um erro gravíssimo, agora, mudar a política econômica ou substituir o Palocci. Valor: A saída do ministro Palocci seria o fim do governo? Dirceu: O Lula não abre mão do Palocci. Ele vai botar para quebrar se mexerem com o Palocci. É a única hipótese de o Lula radicalizar. Não vejo nenhuma hipótese de o Palocci sair do governo. Acho que isso não está em discussão. Nem pela cabeça do ministro passa uma coisa dessas porque ele sabe a importância que tem para o governo e o país. Uma coisa são as divergências que nós temos, outra é a qualidade da gestão do Palocci como ministro da Fazenda. Talvez, o Brasil tenha tido poucos ministros da Fazenda com a qualidade do Palocci. Porque o ministro da Fazenda também é serenidade, capacidade de articulação, credibilidade, visibilidade, é ter trânsito internacional e principalmente ter a confiança do presidente da República e da economia. O ministro Palocci tem. Acho que seria um desastre para o Brasil, primeiro, depois para o governo, se o ministro Palocci saísse. Não vejo alguém que possa pensar nisso. Valor: Na entrevista ao "Roda Viva", o presidente disse que o sr. será cassado. O sr. se sentiu rifado? Dirceu: Acho que me apoiou quando disse que não havia provas contra mim, que a cassação era política. Não existe cassação política. Só em ditadura. Não quebrei o decoro, não pratiquei crime de responsabilidade. Não estou sendo processado na Justiça comum nem no Supremo Tribunal Federal. O caso Waldomiro Diniz teve CPI, inquérito, e eu não sou nem citado. O presidente fez mais na entrevista. Disse que eu posso ser cassado como o Ibsen Pinheiro (ex-presidente da Câmara, cassado em 1993) e o Alceni Guerra (ministro de Collor atacado com falsas denúncias). Então, ele agravou ainda mais a violência que está acontecendo contra mim, deixou claro que iam repetir erros do passado. O que o presidente acabou expressando é um senso comum que se criou que é a presunção de culpa, não de inocência, e a inversão do ônus da prova. Eu tenho que provar que sou inocente e não tenho a presunção da inocência. Mas, pelo que estou vivenciando no Congresso, isso não está dado não. Vou lutar até o fim por minha absolvição. Valor: O sr. trabalha com a hipótese da renúncia, caso o Supremo anule o processo, de vez que sua situação política seria hoje diferente daquela quando voltou ao Congresso? Dirceu: Não é da minha natureza pensar em renúncia. A renúncia, num caso como o que estou vivendo, teria até uma justificativa, dado o grau de linchamento político e moral que eu passei, dado o grau de pressão política que existe sobre o Congresso e o Supremo para que eu seja cassado. Eu até teria legitimidade, uma justificativa ética para renunciar, mas não combina comigo. Valor: O presidente Lula fala em ampliar a aliança para 2006 e governar com maioria no segundo mandato. O sr. acha que essa ampliação deve se dar com o PMDB? Dirceu: Primeiro, tem que pensar no PT, que é a base do governo e do Lula. Segundo, na aliança com o PSB e o PCdoB. Não vamos cometer o erro do passado de novo. Valor: Que erro? Dirceu: Não demos a atenção devida a esse núcleo e eu faço a autocrítica disso. Sou o responsável por isso. A outra questão é que precisamos disputar o apoio do PMDB para 2006. Não devemos subestimar o ex-governador Anthony Garotinho. Ele tem mais de 15% nas pesquisas, foi governador, elegeu a governadora Rosinha Matheus, que, independente de ser a esposa dele, tem mérito, qualificação, liderança para ser eleita e exercer o cargo. Divergências à parte, desconhecer que ela tem uma liderança é uma coisa até grosseira e machista. O Garotinho pode ganhar a maioria do PMDB numa prévia. Valor: O sr. acha que faltou reação do PT aos ataques que o presidente e o partido sofreram? Dirceu: A entrevista que deu aqui no Brasil o (filósofo) italiano Antonio Negri é sintomática. De fora, ele faz uma análise e diz que não consegue entender como é que alguns setores da esquerda, dos movimentos sociais e da igreja foram capazes de não ver que uma coisa é reivindicar, protestar, pressionar o governo, outra coisa é perder a perspectiva de que o governo Lula é uma oportunidade única, histórica. Faltou um pouco de experiência, particularmente de setores da esquerda, para conviver como governo. Fazia muito tempo que não havia governo progressista no Brasil. Isso não deslegitima nem tira a razão de se criticar o governo e lutar contra determinadas políticas do governo. Agora, é evidente que o governo enfraqueceu muito com a divisão interna do PT. Uma parcela grande do partido e vários movimentos e setores da esquerda fizeram oposição ao governo.