Título: Vale obtém liminar na Justiça que anula julgamento do Cade
Autor: Vera Saavedra Durão e Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2005, Empresas &, p. B1
Concorrência Despacho do juiz suspende perda de direito sobre a mina de ferro da CSN
A Vale do Rio Doce decidiu contestar a decisão do colegiado do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), que lhe retirou o direito de preferência sobre o minério da mina Casa de Pedra que pertence a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN). Ontem, a mineradora obteve uma liminar na Justiça de Brasília que suspende os efeitos do julgamento realizado em 10 de agosto pelo órgão antitruste referente a retirada das cláusulas de preferência que lhe dava poder sobre o minério excedente dessa mina. Com isso, enquanto a liminar não é contestada a empresa volta a ter seus direitos originais no contrato com a CSN em março de 2001. Com esta iniciativa, o presidente da Vale, Roger Agnelli, não só enfrenta o Cade, como reabre a disputa com o empresário Benjamin Steinbruch, controlador da CSN. O clima tenso que perdurou entre as duas empresas antes do julgamento deverá voltar aos bastidores dos fóruns judiciários. A batalha entre os dois gigantes da mineração e da siderurgia nacionais transfere-se do terreno do sistema de concorrência para os tribunais e promete ser longa, podendo chegar ao Superior Tribuna de Justiça (STF). O julgamento dos atos de concentração da Vale foi um dos mais importantes na vida do órgão antitruste e o que mais mobilizou advogados de ambos os lados. O juiz substituto da 20ª Vara do Distrito Federal, Márcio Luiz Coelho de Freitas, em sua argumentação para deferir a liminar, contesta seus resultados referentes a questão das cláusulas de preferência sobre a mina ao considerar que não houve maioria absoluta de votos para aprovar tais restrições e que a maioria só foi obtida com o voto duplo da presidente do Cade, Elizabeth Farina. Procurada pelo Valor, a presidente do Cade afirmou que ainda não havia sido notificada sobre a decisão tomada pela 20ª Vara Federal e desconhecia o teor da liminar. Ela explicou que o caso será examinado pela Procuradoria do Cade, responsável pela defesa do órgão na Justiça. "A decisão não me surpreende", disse Farina. "É o direito de recorrer ao Judiciário." Ao ser informada que a Vale questionou o seu voto de qualidade, Farina disse que esse procedimento está previsto na Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884). Ela espera que o novo procurador-geral do Cade, Arthur Badin, tome posse no cargo nas próximas semanas. Já foi aprovado pelo Senado e falta sair a publicação de seu nome no "Diário Oficial" para que seja marcada a posse. Badin será o responsável pela coordenação do trabalho de defesa do Cade no processo judicial movido pela Vale. Segundo um jurista renomado, a maioria absoluta é exigida pelo artigo 49 da lei antitruste e, no caso, quando foi votada a restrição pela abolição do direito de preferência relativo a vendas no mercado externo, três conselheiros votaram contra e três a favor. "O artigo 49 reza que a maioria absoluta só se configura com o voto de quatro membros e apenas três votos foram favoráveis às restrições, o que levou o juiz a considerar o fato como violação do artigo 49", explicou a fonte. Por outro lado, o juiz também entendeu que a maioria absoluta nesse caso só aconteceu com o voto duplo da presidente do Cade, que desempatou a votação. "O voto de qualidade que dispõe o artigo 8º da lei foi entendido como duplicidade de voto, mas isso não está previsto na lei brasileira", argumentou o jurista, buscando interpretar a posição do juiz. A expectativa de interlocutores do sistema de concorrência é que o Cade recorra na Justiça pedindo suspensão da liminar por meio de agravo de instrumento. O entendimento é que a questão é bastante polêmica e complexa e poderá abrir um sério precedente nos futuros julgamentos do órgão, que já tomou decisões no passado baseados no voto duplo (de qualidade) de presidentes anteriores a Farina. Uma fonte próxima da CSN lembrou que também no julgamento desses atos de concentração da Vale, a votação referente a participação da companhia na ferrovia MRS não teve maioria absoluta em algumas rodadas. "Por quê", indaga a fonte, "o juiz se restringiu apenas às limitações do direito de preferência de Casa de Pedra?" O advogado da CSN, Tércio Sampaio Ferraz Jr. foi procurado, mas disse que não tinha lido ainda o despacho do juiz e não podia se pronunciar. Para o consultor da CSN e ex-presidente do Cade Gesner de Oliveira, o pedido de liminar da Vale é mero recurso protelatório. "Trata-se de uma empresa que tem participação do governo desafiando um dos órgãos que deveriam ser mais prestigiados para garantir a concorrência no mercado". No seu entender, o que está em jogo com esta atitude é um enorme dano ao mercado, um desafio a inteligência das autoridades e claramente uma tentativa de não cumprir a decisão do Cade. Para ele, o argumento da Vale fere totalmente a jurisprudência já firmada do Cade. "O Cade por várias vezes decidiu utilizando o voto de qualidade do presidente e não de Minerva, é voto cumulativo sim e já amparou várias decisões do Conselho". Ele mesmo lembra que enquanto presidente chegou a ter decisão com duplicidade de voto em casos importantes. A Vale, no início da noite, divulgou comunicado ao mercado e lembrou que, assim, fica suspensa a obrigatoriedade de optar, em 30 dias, entre alterar o contrato de Casa de Pedra e vender a Ferteco .