Título: Real valorizado começa a derrubar lucros
Autor: Carolina Mandl
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2005, Empresas &, p. B2

Balanços Com dólar baixo e consumo fraco, receita cresce apenas 0,5% e lucro cai 7,4% no 3º trimestre

Pela primeira vez desde que o real iniciou sua trajetória de valorização, há mais de um ano, o câmbio começou a derrubar o lucro das companhias brasileiras. No terceiro trimestre, segundo levantamento feito pelo Valor Data, o resultado líquido de 84 empresas que haviam divulgado seus balanços até ontem caiu 7,4%. "O Brasil tem muitos setores com negócios que dependem da cotação do dólar. Por isso a variação da moeda tem um impacto tão brusco", afirma Marcelo Mesquita, estrategista-chefe do banco UBS. No terceiro trimestre deste ano, o dólar se desvalorizou 22,26% frente ao real na comparação com o mesmo período do ano passado. Além de o câmbio prejudicar as exportadoras, que recebem menos por suas vendas, setores como papel e celulose e petroquímica têm seus preços no mercado interno atrelados ao dólar. Isso, somado a um consumo interno fraco, fez com que as vendas crescessem apenas 6,5% na comparação com o terceiro trimestre de 2004. Descontada a inflação, a variação é de 0,5%. A margem da atividade, um indicador de rentabilidade operacional, também caiu 2,5 pontos percentuais ante igual período de 2004. As exportadoras vinham conseguindo driblar o real mais forte e, em alguns momentos, compensavam na parte financeira, já que a dívida em dólar também fica menor. Mas, no terceiro trimestre, isso não foi mais possível. Até do lado financeiro as companhias perderam. O setor que mais sofreu de julho a setembro deste ano foi o químico e petroquímico. O lucro líquido dessas empresas caiu 68,4%, e a receita líquida, 10,6%. A Braskem - cujo lucro caiu 90%, para R$ 48 milhões - avalia um reajuste nos preços das resinas para conseguir recuperar lucratividade. As siderúrgicas, além de amargar a cotação do dólar mais baixa, enfrentaram o preço em queda do aço. O resultado da Gerdau caiu 34%, para R$ 700,5 milhões. Foi a primeira queda no lucro do grupo depois de sete trimestre de alta, quando comparados ao mesmo período de 2004. O resultado da Usiminas caiu 22% na comparação com o mesmo trimestre de 2004. Quem depende mais do consumo interno teve resultados melhores no trimestre. O setor de alimentos e bebidas, por exemplo, foi até agora o que registrou o maior salto no lucro, com um crescimento de 132,6%. A AmBev, por exemplo, ganhou participação de mercado, o que fez sua venda líquida de cerveja crescer 12,4% no Brasil. O lucro da empresa triplicou. As companhias de telefonia e de energia também foram bem. O lucro líquido delas, até o momento, cresceu 37,7% e 5,5%, respectivamente. Mas já mostram uma tendência de queda. É o caso da telefonia fixa, cujo lucro subiu 41% neste trimestre ante igual trimestre de 2004. Mas no segundo trimestre, fazendo a mesma comparação, a alta foi de 77,3%. Além disso, esse desempenho positivo não se refletiu em todas as empresas que dependem do consumo interno. Foi o caso do Pão de Açúcar, cujas vendas nas lojas que também estavam abertas no ano passado subiram apenas 1%. Segundo analistas ouvidos pelo Valor, o consumo, de uma forma geral, foi fraco porque o consumidor ainda não se sente confortável para gastar e está cauteloso. "Quem tem mais se beneficiado são as empresas que oferecem opções de parcelamento", diz a analista de consumo de um banco. As vendas em mesmas lojas da Renner cresceram 17,4%. Para a Grendene, a queda de 11,4% na receita doméstica de calçados se deveu principalmente aos valores praticados. "Nosso preço médio poderia ter sido um pouco mais baixo. O consumidor compara nosso calçado com outros produtos importados, cujos preços caíram", explica Marcus Peixoto, diretor financeiro da Grendene. Segundo o executivo, o bem substituto não necessariamente é um calçado. "É qualquer coisa importada, como um DVD, que ficou mais barato e diminui a renda para a compra de sapatos. Agora vamos ser mais agressivos em preços", afirma Peixoto. De acordo com ele, para conseguir diminuir os preços em cerca de 2%, a empresa vem trabalhando na redução dos custos. As importações de calçados ainda não são tão significativas no consumo brasileiro, representando cerca de 2% do consumo. Mesmo assim, empresas que importam estão se beneficiando do dólar mais baixo. A São Paulo Alpargatas teve crescimento de volume de vendas. Cerca de metade da alta de 18,8% da receita veio da alta no número de pares vendidos. A grande vantagem da companhia é que ela se beneficia com os tênis importados Mizuno e Timberland, cujos preços ficam mais baixos. Para este trimestre, ainda restam dúvidas sobre o desempenho das empresas. "É uma incógnita saber qual patamar o dólar deve atingir", afirma Mesquita, do UBS.