Título: Todos contra o Arizona
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2010, Mundo, p. 22

provação de severa lei no estado norte-americano, que faz fronteira com o México, transforma em criminoso quem for encontrado em situação irregular no país. Críticas à medida unem personalidades como Barack Obama, o colega mexicano, o secretário-geral da OEA e artistas

Há uma semana, o consulado do Brasil em Los Angeles levou seu posto itinerante para Phoenix, capital do Arizona, como regularmente faz nas áreas que estão sob a sua jurisdição. Entretanto, dessa vez, o que chamou a atenção dos funcionários da representação foi a quantidade de brasileiros que manifestaram a vontade ou mesmo confirmaram a decisão de voltar ao Brasil. O motivo é a aprovação, no estado, da Lei nº 1.070, que torna criminosos os imigrantes que estejam em situação irregular no país. Apesar de só entrar em vigor dentro de três meses, a severa lei, assinada há uma semana pela governadora Jan Brewer, já conquistou opositores em todo o país, motivou pedidos de boicote ao estado e gerou reações de vários governos, como os do México e do Equador. O Arizona é o quinto maior estado com imigrantes ilegais dos Estados Unidos: cerca de 500 mil dos quase 12 milhões estimados em todo o território americano. Segundo o instituto Pew Hispanic Center, nove em cada 10 pessoas em situação irregular no estado que faz fronteira com o México têm origem nesse país. Os brasileiros ¿ entre os que têm e não têm documentação legal ¿ no Arizona somam entre 5 mil e 7 mil, segundo o Itamaraty. A maioria deles vive na chamada Grande Phoenix, em cidades como Chandler, que possui 240 mil habitantes. É o caso do pastor Paulo*, que mora há dois anos em um subúrbio. Mesmo em situação regular no país, o religioso relata como o clima na região ficou mais tenso desde a aprovação da lei, no último dia 23. ¿Conheço pessoas que têm e que não têm documento. Estão todas com muito medo dessas novas regras, porque já há uma forte represália por parte da polícia, mesmo com o pessoal que está legal¿, conta. Ele relata que conhece pelo menos três famílias que já decidiram deixar o Arizona rumo a outros estados desde que a lei foi aprovada. ¿Uma família, inclusive, ficou dividida, porque um dos cônjuges, que estava regular, quis ficar, e o outro, não¿, afirma. A nova legislação torna crime estadual a presença de um imigrante ilegal no Arizona e permite que qualquer pessoa seja abordada na rua por policiais comuns, se eles suspeitarem de que ela não tem permissão para estar no país. A temida SB1070 também prevê sanções para quem empregar ou facilitar a vida de imigrantes sem documentação. ¿Já tem um tempo que não se empregam ilegais, porque todo empresário exige a apresentação do seguro social. Quem está aqui ilegal trabalha por conta própria. Mas essa lei vai prejudicar até mesmo os brasileiros que querem ajudar os que ainda esperam a documentação¿, explica Carla*, que mora há 10 anos nos EUA e possui cidadania. A paulista de 35 anos, que trabalha em um asilo no subúrbio de Phoenix, prevê um quadro caótico no estado quando a lei, de fato, entrar em vigor. ¿Eu conheço gente que nem está saindo de casa, com medo de já ser abordada nas ruas, no supermercado. Hoje, quem não tem documentos fica com medo de bater o carro ou precisar parar na estrada e ser abordado pela polícia. Imagina quando a lei começar a valer?¿

Abuso potencial Na última sexta-feira, o cônsul-geral do Brasil em Los Angeles, José Alfredo Graça Lima, se reuniu com representantes de outros países latino-americanos que possuem população expressiva no Arizona para discutir a nova lei. Apesar de afirmar que as comunidades brasileiras ¿têm consciência de que as leis locais devem ser respeitadas¿, Graça Lima disse que as novas regras geram preocupação pela ¿capacidade de infringir direitos humanos e civis, além de implicar potencial abuso de poder¿. ¿Causa estranheza também que um tema de natureza federal possa ser abordado por legislação estadual¿, disse o diplomata, completando que acredita na aplicação de uma ação federal para que a lei ¿não prospere¿. Os brasileiros que vivem no resto do país também se manifestaram. O Grupo Mulher Brasileira (GMB), com base em Massachusetts, foi um dos que encamparam a ideia da marcha ¿Todos Somos Arizona¿, realizada ontem em diversas cidades. ¿Marche pelos direitos dos trabalhadores e por uma reforma da lei de imigração justa e abrangente. Nunca antes seu apoio foi tão necessário¿, conclamava o site do grupo. Até o fechamento desta edição, a marcha não havia sido concluída.