Título: Importação aumenta e produção local arrefece
Autor: Raquel Landim e Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2005, Brasil, p. A6
Conjuntura Sobe compra de bens de capital e de insumos no exterior
As importações de matérias-primas descolaram da produção doméstica no terceiro trimestre do ano e ganharam espaço que pertencia aos insumos nacionais. O volume importado de bens intermediários aumentou 1,9% no terceiro trimestre em relação ao segundo na série livre de influências sazonais. O movimento está na contramão da indústria, cuja produção recuou 0,7% na mesma comparação, segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção doméstica de bens intermediários também caiu 0,7% no período. A valorização do câmbio, que incentiva a substituição que começa a ocorrer nas matérias-primas, já deu impulso mais forte na troca de bens de capital nacionais por importados. O volume importado de máquinas e equipamentos subiu 2,8% no terceiro trimestre ante o segundo, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), dessazonalizados pela MCM Consultores. No mesmo período, a produção doméstica de bens de capital cresceu apenas 0,5%, segundo o IBGE. Para os economistas, o aumento das importações no terceiro trimestre ainda não é um movimento estrutural. O economista do J.P. Morgan, Júlio Callegari, explica que uma troca agressiva de matérias-primas nacionais por importadas exigiria mudança mais intensa de preços relativos. "O Brasil é mais competitivo em bens intermediários do que em bens de capital", disse. Segundo ele, alguns setores, com fôlego para fazer estoques, estão aproveitando o dólar barato para importar. Sérgio Vale, da MB Associados, não vê um processo consistente e sistemático de substituição da produção nacional de intermediários por produtos importados. "O movimento parece pontual", afirma. Vale acredita que o câmbio atual abre espaço para importações "oportunistas" de insumos. Ele também entende que o movimento é mais nítido em bens de capital, segmento com alta significativa das importações e perda de fôlego da produção doméstica. No primeiro semestre do ano, as compras externas de matérias-primas estavam acompanhando o ritmo da produção industrial. O quantum importado de bens intermediários cresceu 9,8% no período, enquanto a produção industrial subia 5%. O aumento da importação de bens intermediários mascara comportamentos distintos entre os setores. A produção de autopeças, que crescia 1,02% de janeiro a julho ante igual período de 2004, está aumentando 0,16% no acumulado até setembro. As importações de autopeças também perderam ritmo. De janeiro a julho, as compras externas do setor cresceram 23% em relação ao mesmo período de 2004. De janeiro a setembro de 2005 ante janeiro a setembro de 2004, a alta foi de 19% Em outros segmentos, as importações estão crescendo. As compras externas de partes e peças para computadores aumentaram 28,6% de janeiro a julho em relação a igual período de 2004. No acumulado do ano até setembro, a alta chega a 35,8%. A produção de computadores e similares crescia 3,3% no país nos primeiros sete meses do ano ante igual intervalo de 2004. No acumulado do ano até setembro, a alta chega a 9,6%. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) acredita que está ocorrendo substituição de insumos nacionais por importados. Os economistas da entidade dizem que, com o atual patamar do dólar, os componentes importados ganham mercado. A Abinee estima que a participação dos componentes nacionais não chega a 20% do mercado. Já os componentes da China e do Sudeste Asiático representam 60%. No caso de celulares, a participação dos componentes importados está entre 80% e 90%. Segundo a Abinee, as importações de componentes eletroeletrônicos aumentaram 23% de janeiro a setembro ante igual período de 2004, para US$ 7 bilhões. A entidade prevê alta de 8% no faturamento das empresas de componentes esse ano. Renato Endres, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), não crê que esteja ocorrendo substituição generalizada de produtos químicos nacionais por importados. As compras externas de produtos químicos aumentaram 16% até setembro contra igual período de 2004, excluindo defensivos e fertilizantes. Na mesma comparação, as exportações de produtos químicos subiram 30%. Para a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, os números referentes à produção e a importação de bens de capital indicam de fato que está em curso alguma substituição de produtos nacionais por importados, estimulada pelo câmbio valorizado. Ela lembra que a produção e a importação de bens de capital costumam andar juntas, mas diz que nos últimos meses houve um descolamento. Thaís afirma que o fenômeno não é preocupante, já que está longe de haver algo parecido ao desmonte do parque nacional. "Mas é algo que tem que ser acompanhado atentamente", ressalva ela, lembrando que a alta do dólar parece ter ido longe demais. O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton de Melo, contudo, acredita que esse processo não está em curso. Para ele, com a desaceleração da economia, há uma redução do consumo doméstico de máquinas e equipamentos. "Mas 60% do consumo de bens de capital no país é de produção nacional e 40%, de importados. E essa proporção não mudou", disse ele.