Título: Empréstimos originaram-se de estatais, diz relator da CPI
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2005, Política, p. A10

Crise Serraglio garante que relatório terá provas de ilicitude

Depois de mais um dia de tensão entre oposicionistas e governistas e guerra nos bastidores para garantir a prorrogação dos trabalhos da CPI Mista dos Correios até abril do próximo ano, os parlamentares da comissão terminaram exibindo à imprensa provas de que a origem dos R$ 10 milhões utilizados pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza como garantia em empréstimo que abasteceu a contabilidade do PT são recursos do Banco do Brasil. O governo e o PT rebatem desde a semana passada essa tese e acusam o relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR), de ser precipitado e irresponsável. Hoje pela manhã, a contragosto do governo e depois de dois adiamentos, está marcada uma sessão conjunta do Congresso para ler o requerimento de prorrogação da CPI. Ontem, Serraglio divulgou as novas informações obtidas pela comissão - extratos sigilosos da conta bancária e aplicações da DNA Propaganda, de Marcos Valério, no BB - que não deixam dúvida sobre a origem dos R$ 10 milhões. A argumentação dos governistas e da DNA, de que o dinheiro do BB foi utilizado em prestação de serviço, é de comprovação duvidosa, disse Serraglio. Os petistas também sustentavam que essa afirmação era improcedente porque Valério tinha conta no BB abastecida com outros recursos. O empresário alegou à CPI que tinha saldo de R$ 16 milhões na conta corrente, e que, portanto, poderia transferir e aplicar esses recursos em instituições financeiras da forma como bem entendesse. O fato contundente revelado ontem é que a conta de Valério no BB (número 602.000-3) tinha R$ 0,00 de saldo em 27/02/2004, cerca de duas semanas antes de ele receber o dinheiro da Visanet, por ordem do próprio BB. Depois a DNA recebeu antecipadamente R$ 35 milhões do fundo da Visanet, depositados em 15 de março. A agência aplicou o dinheiro no BB em fundo DI. Em abril, R$ 10 milhões desse fundo no BB foram transferidos para o BMG e aplicados em CDB. Essa aplicação foi a garantia de um empréstimo, no mesmo valor, feito para a Rogério Tolentino e Associados, uma das empresas das quais Valério é acionista. A CPI descobriu que as empresas de Valério transferiram dinheiro para corretoras, que foram sacados por parlamentares do PT e aliados para pagar dívidas de campanha. Apesar dessa nova prova, os parlamentares da CPI ponderaram que é preciso dar continuidade às investigações para concluir se de fato não houve prestação de serviço. A DNA apresentou notas fiscais ontem à CPI para justificar que recebeu dinheiro do BB licitamente, por publicidade que prestou. Em contrapartida, Serraglio anunciou o resultado de uma auditoria parcial da Receita Federal em notas fiscais da DNA Propaganda: numa amostragem de 27 notas, 16 foram contabilizadas e 11 não, o que pode ser indício de notas frias. A Receita Federal já autuou a DNA em R$ 63 milhões. "Que grau de confiança se pode ter dessas informações da DNA?", disse o relator da CPI. Essas notas fiscais periciadas pela Receita foram coletadas em Belo Horizonte pela Polícia Federal, quando a CPI tomou conhecimento de que documentos contábeis da DNA estavam sendo incinerados. Serraglio observou, ainda, que as empresas ligadas a Marcos Valério e investigadas pela CPI não possuem documentos contábeis até 2003. Além disso, há outra coincidência suspeita: uma das notas não contabilizadas da DNA, no valor de R$ 6,4 milhões, é exatamente o montante repassado pela Visanet, por ordem do BB, à agência de publicidade. Além dessa nota suspeita, há ainda outras 10 não contabilizadas que foram emitidas como prestação de serviço da DNA à Amazônia Celular. A CPI também investiga a suspeita de que recursos de empresas telefônicas foram utilizados por Valério. Serraglio concedeu a entrevista coletiva ontem - que chamou de "legítima defesa" - ao lado do presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), e de todos os sub-relatores. O único petista presente era Delcídio, que foi chamado ao Palácio do Planalto pela manhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Parlamentares petistas tentaram convencer Serraglio a não antecipar informações. O clima ficou ainda mais tenso com a chegada dos extratos do BB que desmontavam parte da tese do PT e do governo. Além disso, circularam rumores que a CPI adiou o depoimento de Soraya Garcia, ex-assessora do PT de Londrina, que confirmaria práticas de caixa 2 do partido. Londrina é a terra do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. A especulação, desmentida por Delcídio e até por tucanos, como o sub-relator de Finanças, Gustavo Fruet (PSDB-PR), era que o depoimento foi adiado a pedido do Palácio. Fruet apresenta hoje à CPI o relatório parcial das movimentações financeiras de Valério, o que é outro fator de tensão no governo e no PT. Ele vai sugerir ao Ministério Público os indiciamentos do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, de Marcos Valério e de Marco Aurélio Prata, o contador da DNA. Eles são acusados de corrupção ativa e passiva. A tendência é que Fruet ainda não sugira o indiciamento de nenhum ex-dirigente do BB, como o ex-diretor de Marketing Henrique Pizzolato, filiado ao PT. Todas as operações suspeitas no rastreamento Visanet-DNA-empréstimos ao PT ocorreram na gestão de Pizzolato. O ex-diretor nega todas as acusações e poderá prestar novo depoimento à CPI. A decisão sobre a sugestão de indiciamento de Pizzolato gerou outra crise na CPI, e por isso deve ser adiada. Hoje será apresentado o relatório parcial de Fruet em que o tucano pretende explicitar as operações contábeis dos empréstimos de R$ 55 milhões feitos por Marcos Valério ao PT. O eixo do relatório será contábil, e a lógica é simples: oficialmente, os empréstimos existem, estão registrados e contabilizados no BMG e Banco Rural. No entanto, as garantias e rastreamentos revelam que as contas de Valério, de fato, não foram abastecidas pelos empréstimos, mas sim com dinheiro de estatais e empresas privadas, o que é claro indício de que se trata de uma operação para "esquentar" o dinheiro. Além da votação do relatório parcial na CPI, outra prova de fogo será a sessão do plenário para leitura do requerimento que prorroga o funcionamento da comissão. Havia até ontem 205 assinaturas válidas de deputados e 30 de senadores para a prorrogação. O governo tentou negociar com a oposição, sem sucesso, a retirada do requerimento. Também não houve êxito a operação para retirada de assinaturas. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), teve conversas ríspidas com os pefelistas Jorge Bornhausen (SC) e José Agripino Maia (RN), alegando que a prorrogação teria que ter sido negociada antes com todos os parlamentares.