Título: Lula tem razão...
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2005, Brasil, p. A2

Existem duas proposições razoavelmente bem sustentadas por um número de pesquisas empíricas: 1) a taxa de juro real de um país é influenciada pelo nível e "tendência" da relação Dívida/PIB, pela natureza da sua composição e pelo seu prazo médio e 2) a "expectativa de inflação" (que determina a ação do Banco Central) é fortemente influenciada pela "inércia" inflacionária, pela "meta inflacionária", pela taxa de juro real e pelo superávit primário. Existe, portanto, um sistema de retro-alimentação entre taxa de juro real, relação Dívida/PIB e superávit primário que coloca o Banco Central - na ausência de um substancial esforço fiscal -, na difícil posição de ter que sustentar apenas com a política monetária a convergência da expectativa de inflação para a meta inflacionária. O caso brasileiro é, sem dúvida, um exemplo teratológico de taxa de juro real para impedir um crescimento maior do que 3,5% ao ano, o que, segundo os modelos do Banco Central aceleraria a taxa de inflação.

A tabela abaixo dá a taxa de juro real de alguns países emergentes em 2004 e sua estimativa para 2005 e 2006. Esses números mostram, sem sobra de dúvida que há qualquer coisa muito errada com a política monetária nacional. A primeira é que vamos, de novo, na contramão do mundo. Dos 14 países somos o único que supostamente vai reduzir o juro real. Os outros 13 países vão elevar agora a sua taxa de juro na expectativa que o "melhor já passou": a formidável expansão da economia mundial dos últimos três anos. Esse movimento sugere que perdemos, outra vez, a oportunidade de aproveitar o vento de cauda que atingiu a economia mundial no período 2004/2006. A segunda é que essa taxa de juro abusiva e arbitrária (pois apoiada em falsas hipóteses) produziu uma supervalorização do real (valorizou-se mais do que as moedas dos 13 países!), o que tem exigido subsídio à taxa de câmbio à custa do aumento do déficit produzido pelo diferencial de taxas de juros de ACC e da Selic. A terceira é que a estimativa de crescimento do PIB para 2006 nos coloca na última posição dos emergentes da tabela anterior. De fato temos o seguinte: O trágico dessa tabela é que nos três anos cresceremos apenas 2/3 do que crescerão nossos competidores. Os RICs (Rússia, Índia e China) com os quais o mundo imaginava que competiríamos, crescerão o dobro do Brasil!

É verdade que cresceremos mais do que na octaetéride fernandista; que mantivemos a inflação sob controle e que diminuímos nossa vulnerabilidade externa. Mas todos esses efeitos têm uma componente externa favorável, que foi o tremendo aumento do comércio exterior verificado a partir de 2003. Ele explica pelo menos 80% do aumento de nossas exportações a partir de 2002. Mas é verdade, também, que a taxa de juro real que comprometeu nosso crescimento em 2005 deixará um resíduo para 2006 por conta da absurda "crença" que não podemos crescer mais do que 3,5% sem acelerar a inflação. É preciso insistir no fato que a tarefa principal do governo para nos livrar da armadilha que impede o crescimento é colocar ordem definitiva nas finanças públicas (inclusive na Previdência Social), garantindo um superávit primário de pelo menos 5% ao ano nos próximos 5 ou 6 anos e reduzir a relação Dívida/PIB para 30%. Alguns ministros do Governo Lula estão iludidos com três fatos: 1) que se pode baixar os juros sem antes pôr as finanças públicas em ordem; 2) que se pode fazê-lo no curto prazo dissipando o superávit primário com "gastos sociais" e 3) que se pode melhorar a distribuição de renda pelo simples aumento do salário mínimo. O sr. presidente tem insistido que não fará "mágicas" e não sacrificará no altar da demagogia o terrível esforço que fez até aqui. Ele precisa ficar alerta com os pequenos duendes loucos para fazer uma "mágica besta"!