Título: Doleiros tentam sacar de contas bloqueadas pela Justiça americana
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2005, Política, p. A6

Doleiros investigados pelas CPIs do Banestado e Mensalão tentaram sacar US$ 500 mil de contas bloqueadas nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro. O requerimento foi feito à justiça federal de Nova York, e recusado pelo juiz Martin Shulman, com uma decisão a favor da procuradoria de Manhattan publicada no início deste ano. O dinheiro está preso em contas bloqueadas da empresa Beacon Hill, condenada por exercício de atividade bancária ilegal no ano passado em Nova York. A Beacon Hill lavava dinheiro de remessas feitas do Brasil, investigadas pela CPI do Banestado. Em junho de 2003, o promotor Robert Morgenthau conseguiu o fechamento da empresa e bloqueio de US$ 3,27 bilhões em suas contas bancárias. A Lara Enterprises, titular de uma das maiores "contas-ônibus" da empresa Beacon Hill segundo o relatório da CPI do Banestado, alegou na petição inicial que tinha uma conta bancária no J.P. Morgan Chase sobre a qual não havia direito de movimentação dos executivos da Beacon Hill. Apesar de não apresentar extratos bancários, a Lara Enterprises pretendia liberar dinheiro da conta número 530972417, no J.P. Morgan Chase de Nova York. A Lara Enterprises tinha contas no MTB Bank, que movimentaram US$ 15 milhões em 84 operações feitas entre 2001 e 2002. Na ficha cadastral do MTB Bank, o endereço da Lara Enterprises é o mesmo da antiga sede da Beacon Hill. No depoimento à CPI dos Bingos, no dia 20 de setembro, o doleiro Toninho da Barcelona, condenado a 25 anos de prisão, disse que só grandes doleiros conseguiam abrir contas no MTB Bank. Ainda segundo dados investigados pela CPI do Banestado, houve uma remessa para o MTB de US$ 130 mil com origem na Havaí Câmbio e Turismo, em Santo André. A casa de câmbio pertence à Nelma Cunha, que, segundo Toninho da Barcelona, é a doleira envolvida em operações com políticos petistas. A Havaí Câmbio e Turismo aparece como originária de uma remessa de US$ 130 mil, feita no dia 15 de abril de 2002, para uma conta chamada "Digital" no banco J.P. Morgan Chase de Nova York (conta número 030173019). Segundo os documentos da CPI do Banestado obtidos pelo Valor, a maior parte das operações de remessa feitas por intermédio da Lara Enterprises tem como origem empresas offshore, especialmente nas Ilhas Virgens Britânicas. As maiores usuárias, segundo os dados recolhidos pela CPI sobre operações feitas em 2001 e 2002, eram a Same-Road Town, Azteca Financial Corporation, Braza Corporation (Ilhas Virgens Britânicas) e IslandTours.Com. Há ainda uma offshore no Uruguai, chamada Lespan, algumas pessoas físicas e uma outra casa de câmbio, B/O Lira, que tem operação identificada em US$ 168 mil e endereço no bairro de Moema, em São Paulo. Os deputados não conseguiram identificar os donos destas empresas. A Lara Enterprises tem sede oficialmente nas Ilhas Virgens Britânicas, mas apresentou um endereço em São Paulo para a Justiça de Nova York. O pedido, feito pelo escritório de advocacia Busson & Sikorski, anexa uma declaração em cartório afirmando que o presidente da empresa é Aguinaldo Castueira. Castueira teve a prisão temporária decretada no ano passado (liberado mais tarde pelo Tribunal Regional Federal com habeas corpus) durante as investigações de lavagem de dinheiro da Polícia Federal na operação Farol da Colina (tradução do nome Beacon Hill em inglês). Outra pessoa que aparece como representante da Lara Enterprises em operações investigadas pela CPI do Banestado é Margarita Aznar Campoy, que também teve prisão decretada e revogada por habeas corpus no ano passado. Na resposta ao pedido da empresa, o promotor de Nova York, Robert Morgenthau, ironiza a petição dizendo que "não há indicação do ramo de atividade da Lara Enterprises". E pede que a empresa divulgue o acordo que tem com a Beacon Hill ao tribunal. O juiz decidiu a favor da promotoria em 20 de dezembro e a decisão foi publicada no início do ano. "A Lara não conseguiu apresentar uma só prova de que seja proprietária dos reais convertidos para dólares resultando no depósito de US$ 500 mil", afirma a decisão do juiz Shulman. Morgenthau também aponta o envolvimento de casas de câmbio com a lavagem de dinheiro. O escritório de advocacia americano Busson & Sikorski informa em seu website que lida com litígios no Brasil e Estados Unidos, e administração de propriedades nos dois países, procedimentos de herança e imigração. Uma das sócias é Berenice Busson, advogada brasileira cujo cargo no website do escritório é "consultora em legislação estrangeira". Consultada diversas vezes sobre o processo em Nova York, Busson recusou-se a identificar o cliente, afirmando que só poderia fornecer seu nome com seu consentimento. Na última consulta, sobre as ligações entre a Lara, Havaí Câmbio e remessas de políticos ligados ao PT, a advogada afirmou que "segundo os clientes, suas alegações não estão corretas e não têm base em qualquer prova documental ou testemunhal. Desta forma, qualquer publicacão por seu jornal de fatos não verdadeiros e sem base de prova abalará a reputação de seu jornal como veículo de comunicação", respondeu a advogada por e-mail. O escritório não respondeu à informação de que a ligação foi estabelecida pelo relatório da CPI do Banestado e pelo depoimento do doleiro Toninho da Barcelona à CPI dos Bingos, no dia 20 de setembro, nem a perguntas sobre a prisão de Aguinaldo Castoeira. O processo no qual a Beacon Hill Services Corporation foi condenada por violação à lei bancária nos Estados Unidos (operação de transferência de recursos sem autorização) continua na Justiça criminal de Nova York, sob segredo de Justiça- está fechado o acesso até mesmo à petição inicial da promotoria. Também é réu no caso o diretor da Beacon Hill, Anibal Contreras, citado várias vezes por Barcelona durante seu depoimento à CPI dos Bingos. A promotoria de Nova York não comenta o andamento das investigações.