Título: Outubro: aperitivo para mercados emergentes em 2006?
Autor: Alexandre Póvoa
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2005, EU &, p. D2

Terá sido a volatilidade observada nos mercados emergentes em outubro apenas realização de lucros? Se foi algo além disto, onde estão os famosos "fundamentos" brasileiros em meio à forte venda de ativos que se viu recentemente? Nove entre dez analistas estimam um cenário positivo para os emergentes em 2006. Há um certo consenso de que a elevação dos juros americana se dará de forma gradual e que o grande fluxo que vem puxando as cotações dos ativos da região não cessará abruptamente. Razões para otimismo com emergentes não faltam. Desde as crises pós-1994 - mexicana, tigres asiáticos, russa, brasileira, turca e argentina - observa-se relevante transformação macroeconômica, com inversão do déficit para superávit em transações correntes e notável crescimento. Algumas destas nações já mereceram, inclusive, o "grau de investimento" das agências de rating. Porém, cabe lembrar que os emergentes representam apenas uma pequena engrenagem da economia mundial liderada pelos países desenvolvidos. Mais importante: com o processo de globalização, a referência da curva de juros americana como custo de oportunidade foi fortalecida. Resumindo, somos periferia e não o centro das decisões de investimento globais. Não que "nossos belos olhos" não sejam importantes, mas certamente estamos longe da categoria de "pulmão ou coração do organismo" do mercado mundial. O Fed patrocinou a política monetária mais relaxada dos últimos tempos entre meados de 2003 e junho de 2004, quando decidiu voltar a elevar juros. Desde então, o diferencial entre a taxa básica e a de dez anos vem sofrendo forte queda. Em outras palavras, quando o Fed Fund Rate se encontrava em 1% ao ano, no início do processo, o yield de dez anos estava em 4,70% (diferencial de 3,7%). Qual não é a surpresa notar, exatamente 16 meses depois, que a taxa básica foi majorada 11 vezes (para 3,75% ao ano) e o retorno da Treasury de dez anos está estacionado em 4,55% ao ano (diferencial de 0,80%) - o famoso "conundrum" que incomoda Alan Greenspan. Quais as explicações para uma curva de juros com prêmio decrescente entre a parte curta e longa? Os otimistas voltam à carga citando a confiança geral maior na capacidade dos BCs mundiais em controlar a inflação no longo prazo. O livro-texto poderia citar que as elevações da taxa básica seriam emergenciais e/ou há expectativa de recessão futura (o que não é razoável para ambos os casos). A justificativa mais lógica recai na enorme poupança mundial, sobretudo na Ásia, financiando impunemente os déficits americanos, incrementando a demanda por títulos mais longos e, conseqüentemente, inibindo a abertura de taxas. O maior desequilíbrio da economia mundial dos últimos tempos, paradoxalmente, pode ser a razão de redução de risco, diminuindo a eficácia da política monetária do Fed. As taxas longas baixas beneficiam a demanda por emergentes, já que permanece a busca por retornos mais atrativos. Porém, desde o início de setembro, a taxa de juros de dez anos saltou de 4% para 4,60% ao ano, o que já causou algum incômodo. O Fed fund rate deve chegar em 2006 entre 4,5% e 5%, o que levaria o juro real nos EUA a algo próximo a 2,5% ao ano. Considerando o diferencial médio histórico de 1,20% em relação à taxa básica, não é nenhum absurdo imaginar a referência principal dos mercados mundiais (Treasury de dez anos americana) sendo remunerada a patamares ao redor de 6% ao ano no final de 2006. Na América Latina, o ano que vem será também complicado em termos políticos, com eleições presidenciais em sete países, com destaque para México, Brasil e Venezuela. Por mais que os candidatos favoritos no Brasil não inspirem maior desconfiança, é ilusório imaginar que lutas políticas deste vulto não trarão algum desconforto, sobretudo para alguns estrangeiros que ainda "confundem a exata localização" de Caracas, Brasília, Buenos Aires, etc. A combinação de taxas de juros internacionais longas mais altas nos EUA e na Europa, elevação de risco dada a sucessão presidencial, dúvida em relação à sustentação do preço das commodities e prêmios nos ativos já não tão obviamente atraentes deve trazer volatilidade aos mercados. Apesar de não projetarmos um cenário negativo, imaginar que passaremos ilesos a este quadro, nos parece excesso de otimismo e minimização exagerada de riscos.