Título: Estudo diz que país optou por "servidão financeira"
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Brasil, p. A2

Nos últimos 30 anos, as despesas com serviços de fatores - leia-se remessa de lucros, dividendos e juros - cresceram 1.085% enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou, no período, 129%, e o PIB per capita, 49%. Os dados constam de estudo ainda inédito da economista Leda Paulani, da USP, e Christy Pato, da Universidade de Uberlândia, intitulado "Investimento e Servidão Financeira", citado ontem por Leda no seminário "Alternativas para a atual Política Econômica", promovido pelo Instituto de Economia (IE), da UFRJ. No entendimento de Leda, a diferença de magnitude entre essas taxas indicam que o país optou pelo caminho da "servidão financeira", deixando para segundo lugar a meta do crescimento sustentado. Ou seja, os gestores de política econômica abandonaram a perspectiva de um modelo de desenvolvimento que leve ao crescimento com distribuição de renda. "A formação bruta de capital fixo (FBCF) tem tido uma trajetória de queda desde o fim dos anos 70, quando chegou a 25% do PIB e desabou para abaixo de 20% a partir dos anos 80, gerando, desde então, crescimento baixo do PIB e do PIB per capita, já que a FBCF indica o potencial de crescimento futuro da economia", alerta Leda. Segundo o trabalho, nos anos 50, o PIB acumulou um crescimento de 99% e o PIB per capita de 48%; nos anos 60, de 80% e de 35,5%, respectivamente; nos anos 70, de 131% e 76%; nos anos 80, de 33,5% e 10% e nos anos 90, de 19% e 1,57%. Na década de 90 o PIB per capita estacionou. Já as remessas ao exterior, que envolvem juros devidos a empréstimos convencionais, lucros e dividendos enviados por conta de capital produtivo de não residente que opera na economia do país e a renda de investimentos em carteira, envolvendo títulos da dívida pública e títulos das grandes empresas brasileiras, só crescem. No período entre 1947 e 2004, a curva de remessa de recursos enviados ao exterior deu um salto, revela o estudo. Entre 1947 e 1970 os dólares enviados ao exterior variam entre US$ 500 milhões e US$ 5 bilhões, a partir de 1976 pulam para a faixa de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões e estacionam entre US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões até meados dos anos 90/94. Em 1995/1996 atravessam a faixa dos US$ 15 bilhões para US$ 20 bilhões e a partir daí sobem para a faixa dos US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões anuais. Leda ressalta além do salto espantoso dessas cifras, a mudança na composição das remessas. Até meados dos anos 80 e começo dos 90, o comportamento da curva total era dada por juros de empréstimos convencionais tomados nos anos 70 para enfrentar o choque do petróleo. A curva começa a se alterar a partir dos anos 90, impelida pela privatização, que internacionalizou o capital produtivo nacional, e o processo de securitização da dívida externa e criação do mercado de bônus e de títulos públicos cotados no mercado internacional. Essa hoje é a maior parcela do envio de dólares para o exterior. A menor é a detida por juros de empréstimos convencionais. Os números facilitam a percepção de que a economia brasileira tem hoje um comportamento inverso: de um lado o PIB caindo abruptamente ou crescendo pouco e de outro, a remessa de capitais que sobe muito rapidamente. As alternativas a essa política passam, segundo a economista, pela regulação dos fluxos de capital, imposto sobre patrimônio, reforma agrária, renda mínima e fortalecimento da democracia direta.