Título: Brasil aceita corte de 50% na tarifa industrial
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Brasil, p. A3

Comércio exterior Proposta é condicionada a novo movimento da UE e representaria redução efetiva de 10%

A reunião ministerial de Londres entre Brasil, EUA, União Européia, India e Japão resultou em mais um fiasco, apesar de o Brasil sinalizar pela primeira vez que aceitaria cortar em 50% as tarifas de produtos industriais, se a UE reduzir em 54%, na média, as alíquotas para produtos agrícolas. Logo de entrada, a UE, porém, resistiu às pressões para melhorar sua oferta agrícola, mantendo o impasse na Rodada Doha. A mensagem da UE foi clara: se vocês esperam melhora na oferta agrícola, perdem tempo. Peter Mandelson, o comissário de comércio, argumentou que não dá mais para "espremer" Bruxelas. Ao final da reunião, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que não houve progresso e insistiu que "não fez movimentos (em produtos industriais), mas possibilidades". Os outros ministros falaram em "encontro construtivo"´, a maneira diplomática de definir fiasco. O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, instigou os cinco países a avaliarem se seria o caso de reduzir as ambições para a conferência ministerial de Hong Kong, no fim do ano, quando se previa um esboço do acordo para liberalizar o comércio agrícola global. As articulações continuam hoje em Genebra, com grupo maior de ministros. A entrevista coletiva ao final da reunião foi rápida. Ninguém queria falar e a decepção era visível. Amorim deixou claro que a agricultura não foi suficientemente discutida. O ministro indiano Kamal Nath confirmou que se discutiu mais sobre produtos industriais e serviços - exatamente temas que o Brasil não tinha interesse em discutir. Amorim anunciou que o G-20 terá reunião ministerial hoje para avaliar a situação. A rodada continua dependendo em grande parte da UE. Mas a comissária agrícola, Mariann Fischer Boel, reiterou que a oferta de cortes tarifários entre 35% e 60% é o "máximo que pode oferecer", e é o que permite seu mandato negociador. O corte médio dessa proposta é de 39% - inferior aos 54% pedidos pelo Brasil. Quando a discussão passou para produtos industriais, o Brasil indicou pelo menos dois cenários: no primeiro, aceitaria coeficiente 30 na formula de redução tarifária. Isso levaria a corte de 50% nas tarifas consolidadas, e a máxima ficaria em 15% com flexibilidade para proteger setores sensíveis, como químicos, têxteis e calçados. Mas se a UE não melhorar a oferta agrícola, o Brasil só aceitará o coeficiente 60. Isso mantém, na prática, a tarifa máxima em 35%. Sem flexibilidade, a alíquota máxima ficaria em 20%. Rob Portman, negociador comercial chefe dos EUA, elogiou a proposta brasileira. Um representante da UE disse que foi a primeira vez que o Brasil deu uma clara indicação na área industrial. Durante a entrevista coletiva, Peter Mandelson pareceu surpreso quando o Valor indagou sobre o "movimento brasileiro". Amorim também reagiu: "Você acha que eu iria fazer proposta (em produtos industriais) se eles não se moveram?". À tarde, Amorim recusara "a tentativa de inversão do ônus da prova de dizer que é necessário movimento por parte dos países em movimentos em produtos industriais e serviços". Insistiu que prefere obter uma oferta agrícola bastante ambiciosa do que ser protecionista na área industrial. Por sua vez, o ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath, condicionou "real acesso" em seu mercado à "eliminação" não só de subsídios à exportação, mas também de apoio doméstico e barreiras não-tarifárias nos países ricos. Shoichi Nakagawa, novo ministro de Agricultura do Japão, disse que seu país está pronto a fazer concessões em agricultura, dependendo de avanços no resto da rodada. Antes da reunião ministerial, Amorim encontrou-se com o primeiro-ministro britânico Tony Blair. Blair, na presidência rotativa da UE neste semestre, expôs movimentos que os europeus podem fazer na Rodada Doha, sem entrar em detalhes, e cobrou concessões por parte do Brasil. Amorim retrucou que o Brasil estava preparado a fazer movimento em produtos industriais "proporcional ao que ocorrer na agricultura". Mas não explicou o que significa essa proporcionalidade. Os europeus reafirmaram que mesmo sua oferta agrícola já rejeitada continua na mesa sob estritas condições: primeiro, designar 8% de produtos como sensíveis, para manter altas tarifas; segundo, ter salvaguardas especiais para frear a importação de carnes, açúcar, manteiga, frutas, e legumes. E terceiro, melhor proteção para indicações geográficas. Bruxelas insistiu que a Rodada Doha não pode ser "refém" da agricultura "que só representa 10% do comércio mundial". Mandelson lamentou que o Brasil resista a "nossas ambições em serviços" e junto com a Índia em produtos industriais. Indagado sobre as ameaças de veto do presidente Jacques Chirac a um acordo agrícola que corte substancialmente as tarifas, Amorim retrucou: "Sem querer me envolver na política interna da Franca, diria como analista que sobraria mais para os gastos sociais se dessem menos subsídios agrícolas." O ministro denunciou "tentativa" da UE de "encobrir" sua resistência na área agrícola como uma maneira de não erodir as preferências que dá aos países mais pobres do planeta.