Título: A mão invisível no trabalho das CPIs
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Política, p. A6

O senador Delcídio Amaral (PT-MS) propôs ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a realização de uma reunião aberta de todos os responsáveis pelas investigações do mensalão. No Executivo, no Ministério Público Federal e no Legislativo. Só assim, argumenta Delcídio, será possível dissipar as desconfianças sobre a existência de agentes públicos pouco dispostos a levar o inquérito a bom termo, dúvida que sempre permeou as sessões das CPIs dos Correios e do Mensalão e que agora ganhou letra de forma nos termos de um relatório interno da lavra da Polícia Federal. Thomaz Bastos, segundo relatou Delcídio aos colegas de CPIs, teria concordado com a reunião. O presidente da CPI dos Correios tem suas dúvidas. Ele e outros dirigentes das comissões de inquérito desconfiam, e não é de hoje, que seja do ministro Thomaz Bastos "a mão invisível" por trás de uma suposta articulação para dificultar e retardar as investigações. Suspeitas reforçadas com a divulgação do relatório da PF, no qual um órgão do próprio Ministério da Justiça é acusado de criar os tais obstáculos. O relatório da PF, divulgado pelo jornal "Folha de S. Paulo" na edição de sábado passado, acusa o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), subordinado a Thomaz Bastos, e sua titular, Wanine Santana Lima, de dificultar o acesso da Polícia Federal e das CPIs a documentos fundamentais para o andamento das investigações do mensalão e afins, como as movimentações bancárias do publicitário Duda Mendonça no exterior. Pior ainda: sugere que Wanine teria envenenado autoridades norte-americanas, com as quais a PF construiu um bom relacionamento ao longo de anos, ao insinuar que o órgão seria responsável pelo vazamento de informações repassadas pelo governo dos Estados Unidos. Nas CPIs, há notícias de que a servidora teria transitado por Nova York com exemplares de jornais brasileiros para demonstrar que o Congresso não seria um depositário fiel de sigilos bancários. As reclamações dos integrantes das comissões de inquérito diferem apenas em intensidade. Alguns, como o relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), consideram que há muitos indícios, mas ainda não dá para falar numa ação orquestrada. Já outros, longe dos microfones não hesitam em afirmar que percebem a "mão invisível" de um advogado criminalista muito experiente nas ações de investigados e em estratégias de defesa do governo. Como as teses dos "empréstimos não-contabilizados" e dos empréstimos ao PT.

PF reforça suspeitas de operação abafa

Numa das conversas com integrantes da CPI dos Correios, Thomaz Bastos teria sugerido que as investigações sobre a movimentação bancária de Duda Mendonça no exterior ficasse para o próximo ano. "A CPI já teria acabado", diz um dirigente da comissão. É a lógica do advogado na defesa de um cliente. Não é a lógica da política, que precisa dar uma resposta à crise que não pareça o resultado de um grande acordão ou de que "as coisas estejam sendo abafadas", como costuma dizer Delcídio Amaral. Para o presidente da CPI dos Correios, Thomaz Bastos insistiu que não há movimento deliberado dos órgãos do Ministério da Justiça no sentido de dificultar e retardar as investigações. Pelo contrário, a ordem é investigar tudo. Segundo o ministério, os obstáculos citados no relatório da PF também teriam sido superados. Pelo sim, pelo não, a oposição avalia cuidadosamente a possibilidade de convocar Thomaz Bastos para se explicar numa comissão do Congresso. É possível que as CPIs, especialmente a dos Correios, tenham entrado em um novo patamar, a partir da análises de documentos como as que levaram o deputado Osmar Serraglio a estabelecer, com verossimilhança, a conexão entre verbas de publicidade do Banco do Brasil e o dinheiro repassado por Marcos Valério ao PT. Pelas informações que circulam na CPI, aliás, será possível medir nas próximas semanas a real disposição e pré-disposição dos agentes encarregados de investigar o mensalão. O esquema do Banco do Brasil revelado por Serraglio - que, aliás, já havia sido desvendado por uma auditoria interna do BB-, segundo os indícios, tem história bem anterior ao governo Lula. Além disso, a CPI deve receber os documentos do Banco Rural relativos à movimentação de Marcos Valério de antes do ano 2000. Papelada que poderia constranger muito tucano de bico afiado.